O braço armado do Estado a serviço do ano eleitoral

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Mais uma ação praticada pelas forças de segurança pública tratou com violência as pessoas em extrema vulnerabilidade que ocupam o território da cena de uso aberto do bairro do Campos Elíseos, conhecida como Cracolândia. Na noite de ontem (10), foi deflagrada pela gestão João Doria (PSDB), com colaboração do governo Ricardo Nunes (MDB), a quinta (5ª) fase da Operação Caronte. 

Agentes das polícias Civil, Militar e Guarda Civil Metropolitana cercaram o território com estratégia de guerra para cumprir mandados de prisão autorizados pelo Poder Judiciário paulista. As cenas de dezenas de pessoas usuárias sentadas no chão por horas sob a mira de armas de grosso calibre remetiam a um campo de concentração. 

O saldo da operação de guerra foi de 12 pessoas suspeitas de tráfico de drogas detidas. Uma por receptação de aparelhos celulares e duas pessoas que eram procuradas também foram levadas pela polícia. Foram apreendidas pequenas quantidades de diversos tipos de drogas ilícitas (maconha, cocaína e crack) e R$ 10 mil reais em espécie.

O efetivo policial empregado para cumprir o que determinou a Justiça tratou as pessoas usuárias de substâncias psicoativas com desumanidade. Essas pessoas em extrema vulnerabilidade precisam de cuidado e acolhimento por parte dos agentes de saúde e de assistência social. A postura adotada pelo Estado em nada agrega ao bem-estar das que vivenciam no território o abandono e a indiferença dia após dia.

A postura violenta das forças de segurança pública da gestão João Doria (PSDB), que frequentemente atuam na Cracolândia, não condiz com o que determina a Lei Estadual nº 17.183, de 18 de outubro de 2019, que criou a Política Estadual sobre Drogas. A legislação estabelece o acesso dos indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social ao Sistema de Garantias de Direitos e à interlocução com o Balcão de Direitos Humanos, Conselhos Tutelares, Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil, dentre outros órgãos.

Do mesmo modo, a Lei Municipal 17.089, de 20 de maio de 2019, atesta que a Política Municipal sobre Álcool e outras Drogas deve proporcionar de forma intersetorial e integrada, especialmente quanto aos assuntos relativos à saúde, direitos humanos, assistência social, educação, trabalho, moradia, cultura, esporte, lazer e segurança urbana.

Fica evidente que tanto a gestão estadual tucana como o governo municipal emedebista não estão preocupadas com o cumprimento das leis que os próprios chefes dos respectivos executivos sancionaram em tempos recentes. João Doria não conseguiu acabar com a Cracolândia em 2017, mesmo com uma ação extremamente violenta que reuniu cerca de 900 agentes de segurança pública. Mesmo assim, continua a implementar a violência em detrimento do cuidado e do acolhimento.

O território da Cracolândia concentra em sua maioria pessoas egressas do sistema penitenciário paulista e outras instituições, como comunidades terapêuticas, medidas socioeducativas e oriundos de abrigamentos da rede socioassistencial. 

Está provado que trata-se de seres humanos que já foram institucionalizados em algum momento da vida, mas que voltaram a viver em extrema vulnerabilidade por conta da incipiente ação do Estado em sanar seus anseios por uma vida digna, antes e depois da passagem pelas instituições. A única coisa que funciona é a porta giratória: a polícia prende algumas pessoas de um perfil bastante conhecido: pessoas negras, moradoras de locais criminalizados e/ou periféricos e pobres, e, na mesma hora, o dobro já foi recrutada para atuar no tráfico de drogas, pois o que não falta são pessoas desassistidas pelo Estado. 

Overdose de ações proibicionistas

O  Relatório Mundial sobre Drogas – 2021 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) trouxe reflexões sobre os impactos sociais da pandemia no uso de drogas. Segundo o estudo, o aumento na desigualdade, pobreza e condições de saúde mental, especialmente entre as populações já vulnerabilizadas – representam fatores que podem levar mais pessoas ao uso de drogas.

Num contexto proibicionista, o aumento do uso de drogas ilícitas requer um aumento do comércio ilegal. O relatório também trouxe o dado de que aproximadamente um terço de todas as transações provenientes do mercado irregular online entre 2011 e 2020 partiram das Américas, tendo o Brasil em terceiro lugar entre os países que mais exportaram drogas. 

Essas relações têm impacto direto nas quase um milhão de pessoas presas no Brasil, assim como nas cada vez mais recorrentes mortes por violência policial no país. Ao levarmos em conta essa realidade, em que não só a pandemia, mas a política de drogas tem matado muito mais do que a overdose, propomos um olhar atento para a overdose de proibicionismo presente no país.

O Centro de Convivência É de Lei atua há mais de 20 anos com pessoas usuárias de substâncias e em situações de vulnerabilidade. Desde 2020, tem desenvolvido um projeto com familiares e pessoas sobreviventes do sistema prisional, com foco em organização financeira e geração de renda. Temos visto como é difícil se reinserir no mercado formal de trabalho sendo uma pessoa marcada pela prisão. 

Nesse sentido, fica evidente que ações policiais como a de ontem e como tantas outras que acontecem cotidianamente no território são, além de desumanas, ineficazes. O É de Lei é uma das organizações que luta pela garantia de direitos e por políticas públicas eficientes que olhem para as pessoas de maneira universal, e não apenas como corpos que merecem ser violentados.

 

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