Usuárias e usuários do Complexo Prates se mobilizam por transparência e serviços de qualidade

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Com os trabalhadores dos serviços ameaçados por seus gestores, usuárias/os contestam demissões e assumem protagonismo da luta por dignidade em seus tratamentosO É de Lei participou, no último dia 15 de julho, da organização de uma manifestação política em frente ao Complexo Prates, em conjunto com os usuários dos equipamentos do local e com o apoio de entidades e movimentos sociais ligados à saúde e aos direitos humanos. O ato, que tinha como reivindicações centrais a gestão pública dos serviços de saúde e de assistência, o repúdio às recentes demissões de duas trabalhadoras do CAPS do Complexo e a autonomia e o protagonismo das/os usuárias/os dos equipamentos, se insere num processo de discussão e mobilização iniciado há meses.

Ato no Complexo Prates. Crédito:  Uol/reprodução
Ato no Complexo Prates. Crédito: Uol/reprodução[/caption] O centro de convivência e o albergue do Complexo, os dois serviços da assistência social ali existentes, são administrados pela entidade Sociedade Amiga e Esportiva do Jardim Copacabana – SAEC. Já o CAPSad e a AMA são gerenciados pela OS Irmãs Hospitaleiras, e ambos não têm dado conta das necessidades dos que a eles recorrem. Embora tenha repercutido na imprensa apenas agora com o protesto, a mobilização não é recente: desde o fim do ano passado as/os usuárias/os dos serviços do Complexo Prates questionavam uma série de problemas, desde o tratamento frequentemente agressivo dispensado pela Guarda Civil Metropolitana que faz rondas no entorno do local até a falta de atividades e oficinas em alguns dos serviços, como no Centro de Convivência do Complexo, no qual é possível observar dezenas de usuárias/os sentadas/os assistindo televisão ao longo do dia todo, enquanto ao lado pelo menos três salas destinadas a oficinas de artes e informática estão fechadas há meses.
Contando com o suporte de profissionais da equipe do CAPS do Prates, as/os usuárias/os sistematizaram suas reclamações numa carta e a levaram até a Secretaria Municipal de Saúde no fim do ano passado, onde fizeram uma reunião sobre o assunto com o secretário pessoalmente. Uma das funcionárias do CAPS, compreendendo ser parte da sua missão ética, consonante com os princípios do SUS, deu suporte à iniciativa das/os usuárias/os na oportunidade. Pouco tempo depois do ocorrido, foi afastada de suas funções pela gestão do serviço, o que instaurou uma atmosfera de insegurança e constrangimento por parte do restante da equipe do CAPS e mesmo pelas/os usuárias/os. Naquele momento, parte das/os trabalhadoras/es da equipe resolveu escrever outra carta, desta vez pública e dirigida à Organização Social Irmãs Hospitaleiras e à sociedade em geral, para reivindicar a necessidade de serem observados ali no serviço aspectos centrais que orientam as práticas da saúde pública. “A oferta de saúde integral, com um caráter eminentemente humanizador, qualidade relacional e respeito pelos direitos da pessoa” e “os princípios da Redução de Danos, que relembram que o cuidado do usuário de drogas não considera apenas os danos que as substâncias causam a ele, mas também os danos causados pelo contexto sociocultural e político no qual ele se insere” deviam ser levados em conta de acordo com o texto.
 
Mesmo que a carta tenha sido um instrumento para que a equipe reavivasse o sentido do trabalho ético-político desenvolvido no CAPS junto às pessoas que lá são tratadas, o resultado desse processo foi a demissão das duas trabalhadoras das quais se exigiu a reintegração no protesto. Cabe destacar ainda que momento algum a OS gestora do CAPS se pronunciou publicamente sobre a motivação das demissões, numa postura de extremo desrespeito às/aos usuárias/os do equipamento e às/aos trabalhadoras/es que presenciaram a decisão abrupta e aparentemente arbitrária. Além disso, a psicóloga Laura Shdaior, uma das funcionárias demitidas, não pôde, quando ciente da decisão pelo seu desligamento, se despedir de nenhuma das pessoas que acompanhava profissionalmente no tratamento, muito menos registrar em que fase se situava cada um desses acompanhamentos – algo que viola o compromisso ético de exercício profissional da funcionária e o bem estar de quem tinha seu tratamento acompanhado por ela.

PARALISAÇÃO

As profissionais demitidas são referências muito estimadas pelas/os usuárias/os do Complexo Prates, muito por que, como dizem elas/es mesmas/os, desempenharam seus papeis de maneira comprometida com o suporte necessário à construção da autonomia e da reorganização de vida de cada uma/um. Nesse sentido, a indignação das pessoas aderentes ao serviço com o corte de duas trabalhadoras, incansáveis na busca por um trabalho de qualidade e que estivesse à altura dos princípios que inspiraram historicamente a estruturação da saúde pública e da assistência social, somada à ausência absoluta de respostas ou prestação de contas por parte da gestão das Irmãs Hospitaleiras, foi determinante para a decisão coletiva das/os usuárias/os de promoverem uma paralisação das atividades e oficinas rotineiras do CAPS, dois dias depois da notícia das demissões. Por mais de quinze dias, as salas que abrigam a programação de grupos e oficinas no CAPS ficaram esvaziadas. O sentimento de repúdio e desconfiança tomou conta do ambiente do Complexo. Por mais que as/os próprias/os usuárias/os tenham decidido o boicote ao serviço e, em consequência disso, tenham colocado em risco a sua própria saúde e o seguimento de seus tratamentos, houve um nível alto de participação das pessoas na roda de conversa realizada com o apoio do É de Lei, no dia 12 de julho. Realizada no ambiente externo do Complexo, a atividade discutiu o desafio primordial dos direitos humanos das/os usuárias/os e a luta permanente para garanti-los. A demanda por um serviço de qualidade, que ofereça um tratamento contínuo, cuidadoso e humanizado, que valorize a voz tanto de trabalhadores como usuárias/o só poderá ser atendida por meio da organização das pessoas que constroem cotidianamente esse ambiente – tendo sido esta, provavelmente, a maior das reflexões na roda de conversa que antecedeu a realização do ato.

OUTROS DESDOBRAMENTOS

A mobilização das/dos atendidas/os no CAPS do Complexo Prates não se limitou à roda de conversa e à manifestação mencionadas: dois usuários compareceram à reunião ordinária do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) para depor sobre as condições reclamadas dos equipamentos e o episódio das demissões. Estava presente um representante do Ministério Público, que está em processo de investigação do caso e ouviu os relatos. Uma nova reunião com o Secretário Municipal de Saúde também foi realizada após o ato, demonstrando a força da articulação entre as/os usuárias/os, e entre elas/es e as entidades e movimentos sociais solidários à causa. Ainda não há, por parte do poder público ou da OS que gerencia os equipamentos da saúde do Complexo, resoluções mais claras para o problema, com os desdobramentos e o desfecho desse processo a ainda a serem observados. Uma coisa, no entanto, é certa: ao mobilizarem-se, as/os usuárias/os já fazem, na prática, o exercício do protagonismo e da participação social inscritos na história da luta pela saúde pública e pela assistência, sem precisarem ter lido as leis do SUS e da SUAS. Resta saber se os gestores privados do Complexo refrescaram suas memórias a respeito desses princípios que baseiam o seu sentido de existência como organizações sociais.

 

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