O que é Chemsex?

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O que é Chemsex?

Chemsex é um fenômeno relativamente novo que se distingue de outras práticas de uso de substâncias para fazer sexo, que já existem há milhares de anos. O termo chemsex – também conhecido como “Party ‘n Play” (PnP), “High & Horny” (H&H) ou “sexo químico”, em tradução para o português – é mais comumente entendido como o uso de qualquer combinação de drogas que inclua metanfetamina, mefedrona e/ou GHB/GBL, usado antes ou durante o sexo, especificamente por gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH). Essas substâncias proporcionam efeitos singulares de duração, apetite e desinibição sexual, diferentes dos efeitos do álcool, ketamina, cocaína e mesmo do poppers ou sidenafila (Viagra®), que são consideradas como “adicionais” no chemsex.

O termo chemsex foi cunhado por David Stuart e alguns amigos, em Londres, em meados dos anos 2000, para se referirem às suas próprias práticas de uso dessas substâncias psicoativas para fins sexuais. Com o aumento da disponibilidade dessas substâncias e da facilidade de comunicação entre a comunidade gay por meio de aplicativos de encontros, o termo foi incorporado e difundido por homens gays no mundo todo.

Isso criou uma grande rede de aproximação entre gays e HSH que se identificavam através da prática de chemsex. Essa identidade se construiu por meio da criação de um vocabulário específico e de novos formatos de comunicação a respeito de seus desejos, fetiches, drogas, prevenção e estigmas relacionados ao HIV (sorofobia) e à orientação sexual (homofobia), que historicamente perseguem essa parcela da população. Essa identidade facilitou, portanto, a troca de experiências entre pares, o desenvolvimento de tecnologias de cuidado próprias e a reivindicação da inclusão da pauta do chemsex nas agendas das políticas públicas de saúde.

A construção de políticas públicas e de ações da sociedade civil voltadas aos praticantes de chemsex obviamente não poderiam deixar de considerar o impacto que o HIV/aids teve na experiência do prazer e do sexo gay ao longo da história. A epidemia de HIV/aids ainda afeta desproporcionalmente determinadas parcelas da população. Por exemplo, no Brasil, gays e HSH representam quase 20% do total das pessoas vivendo com HIV. Os fatores associados ao maior risco de infecção por HIV nessa população estão relacionados ao estigma, à dificuldade de acesso a tecnologias de prevenção e tratamento e à informação, a práticas sexuais de risco (anais receptivas e/ou insertivas sem uso de preservativos, PrEP ou testagem) e ao uso de substâncias associadas a essas práticas.

O uso de drogas, em qualquer contexto, está associado a um maior risco de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST), HIV/aids e hepatites virais por interferir na percepção e no gerenciamento de riscos. Na prática do chemsex essa é uma questão a ser olhada com mais cuidado, visto que a desinibição comportamental facilitada pelo uso dessas substâncias pode aumentar a ocorrência de práticas de risco e o uso de substâncias muitas vezes é feito pela via injetável (chamado de slamming), o que aumenta ainda mais os riscos de transmissão, em especial do HIV e do HCV (vírus da hepatite C).

No entanto, a questão do HIV no chemsex não se resume apenas à prevenção ou aos risco de infecção pelos seus praticantes, mas se estende aos impactos na saúde mental também associados ao estigma, à culpa e ao medo que perduram em torno desse tema. Esse fato pode ser evidenciado pelo alto número de homens gays que manifestam sintomas psicóticos e de perseguição induzidos pelo uso de substâncias, geralmente relacionados ao HIV. 

Dadas as especificidades e riscos, principalmente do uso prolongado de determinadas substâncias e em relação à transmissão de IST/HIV e hepatites virais, o chemsex vem sendo cada vez mais estudado a fim de traçar melhores estratégias de prevenção e cuidado, o que inclui práticas de redução de danos. O uso dessas substâncias, nesse contexto específico, estão associadas a toda uma cultura de uso e de práticas que se relacionam com o universo da cultura gay e inclui dinâmicas e vulnerabilidades próprias desse grupo, que merecem atenção especial. 

Por não se tratar apenas de uma questão de práticas sexuais de risco, nem somente uma questão relacionada ao uso abusivo de substâncias psicoativas, mas uma combinação única que configura uma nova categoria, faz-se necessário, portanto,  pesquisar e construir respostas às demandas de cuidado junto a essa população a partir de espaços de acolhimento, de diálogo aberto e considerando suas motivações.  

 

Principais substâncias envolvidas no chemsex:

Metanfetamina: estimulante quimicamente semelhante à anfetamina, mas com efeitos mais intensos e duradouros.
Nomes populares: Cristal, Crystal Meth, Tina, Cris, Meta, Ice, Speed
Aspecto: Pode ser encontrada na forma de cristais (daí o nome Crystal), pó, comprimido ou cápsula
Vias de administração:
Ingerida: método menos arriscado. Os efeitos ocorrem de forma mais gradual e duram mais.
Aspirada: Ao aspirar (cheirar), os efeitos aparecem mais rapidamente, mas pode causar danos à mucosa nasal.
Fumada e injetada: geram um pico muito rápido e intenso dos efeitos, podendo levar mais facilmente a padrões de uso problemáticos. Além disso, o uso injetável aumenta os riscos de overdose, infecções bacterianas, transmissão de HIV e hepatites, sendo o método mais arriscado.
Efeitos: Sensação de energia e euforia, aumento do nível de alerta e da capacidade de concentração, diminuição do sono e do apetite, aumento da libido/excitação sexual e da resistência física, diminuição das inibições, elevação da temperatura corporal, tensão maxilar, boca seca, dilatação da pupila, aumento da frequência cardíaca, respiratória e da pressão arterial. Pode ocorrer dor de cabeça, convulsões, ansiedade, dificuldade para urinar ou ter uma ereção.
O uso frequente e abusivo pode gerar comportamentos impulsivos e compulsivos, que são sinais de alerta, pois aumentam as chances de psicose anfetamínica. Esse quadro caracteriza-se pelo aparecimento de paranoias, delírios e alucinações, ampliadas pelo desgaste físico e mental causado pela privação do sono, falta de hidratação e nutrição.
ATENÇÃO! A metanfetamina produz uma rápida tolerância, ou seja, é preciso aumentar a dose para sentir o mesmo efeito e possui alto risco de dependência (maior do que o de outras drogas recreativas).

Mefedrona: substância estimulante derivada da catinona e quimicamente semelhante às anfetaminas. As catinonas sintéticas são utilizadas pelos seus efeitos estimulantes e empatogênicos.
Nomes populares: Também conhecida como meph, drone ou miau miau.
Aspecto: Pode ser encontrada na forma de pó ou pequenos cristais de cor branca, creme ou amarela.
Vias de administração: Aspirada (cheirada), ingerida, injetada (dissolvida em água) ou via retal (introduzida com uma seringa no ânus)
Efeitos: Euforia, excitação, alerta, empatia com as pessoas ao redor,  aumento da libido/excitação sexual, da comunicação e da autoconfiança, diminuição das inibições, elevação da temperatura corporal, tensão maxilar, boca seca, dilatação da pupila, aumento da frequência cardíaca, respiratória e da pressão arterial. Pode ocorrer dor de cabeça, convulsões, ansiedade, dificuldade para urinar ou ter uma ereção. Algumas pessoas descrevem como sendo uma mistura de MDMA (ecstasy) e cocaína.

GHB (gama-hidroxibutirato): substância depressora do Sistema Nervoso Central produzida naturalmente pelo corpo em pequenas quantidades, e que também pode ser sintetizada em laboratório.
Nomes populares: Também são conhecidos como G, Gê, Di, Gisele, Gina, Geebs e Ecstasy Líquido
Aspecto: Geralmente encontrado na forma líquida, incolor, sem cheiro e com gosto salgado. Mas também pode ser encontrado na forma de cápsulas ou pó.
Vias de administração: Dissolvido em água e consumido via oral.
Efeitos:
Em doses baixas (até 1 ml): relaxamento, desinibição, sensação de bem-estar, aumento da libido e da sensibilidade ao toque.
Em doses médias: intenso relaxamento, sonolência, distorções dos sentidos, prejuízos na coordenação motora e/ou dificuldades de fala.
Em doses elevadas: amnésia, perda de consciência e sono profundo que pode não ser despertado por 3-4 horas, diarreia e convulsões.
Possíveis efeitos não desejados: tontura, náusea, vômito, dor de cabeça, visão turva ou dupla
ATENÇÃO! O GHB é uma das substâncias utilizadas no “Boa noite Cinderela” ou “Droga do Estupro”, porque pode ser facilmente misturada em bebidas e, se ingerida em altas doses, causa amnésia e perda de consciência.


Riscos associados ao
chemsex 

  • Intoxicação aguda, overdose e até morte pelo consumo excessivo de uma ou mais substâncias psicoativas
  • Consumos frequentes e excessivos podem aumentar a tolerância e abstinência
  • Situações de crise psicológica (arrependimento, culpa, depressão, baixa-autoestima, delírios e alucinações, psicoses)
  • Infecções sexualmente transmissíveis 
  • Lesões nas regiões anal e genital por diminuição da perceção de dor associada aos efeitos anestésicos de algumas substâncias
  • Dificuldade em manter “sexo sóbrio”
  • Abusos e/ou agressões sexuais
  • Diminuição do desempenho em atividades do dia a dia e/ou isolamento social 

 

Estratégias de Redução de Danos

  • O uso de preservativos evita a transmissão de HIV e outras IST. Não esqueça de trocar o preservativo entre um parceiro e outro
  • O uso de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) pode ser uma opção de prevenção à transmissão do HIV para quem tem dificuldade de adesão ao preservativo ou de negociar o uso com o parceiro. Lembrando que a PrEP não protege contra outras IST!
  • A PEP (Profilaxia Pós-Exposição) também pode ser usada como estratégia de prevenção ao HIV caso você pratique o chemsex com pouca frequência 
  • Conhecer a sua sorologia também é uma forma de prevenção. Mantenha sua testagem para IST/HIV e hepatites virais em dia 
  • Se você faz tratamento com antirretrovirais, evite pular doses e informe seu médico sobre seu uso de substâncias psicoativas para a escolha do melhor tratamento
  • Abuse dos lubrificantes! A lubrificação evita lesões anais e genitais, que são porta de entrada para microrganismos responsáveis pelas IST, além de outras infecções
  • A transmissão de hepatites A e B pode ser evitada através da vacinação. Confira se suas vacinas estão em dia!
  • Estabeleça regras e limites enquanto você está sóbrio sobre o que você quer ou não fazer na hora do sexo. Isso também vale para seus parceiros! Pergunte e obtenha o consentimento deles antes do uso e não ultrapasse os combinados
  • Converse com seus parceiros sobre as práticas que serão realizadas, quais substâncias serão usadas, em qual quantidade, por quanto tempo e também sobre as formas de prevenção às IST
  • Não compartilhe utensílios de uso como canudos, cachimbos, seringas e agulhas. Isso diminui os riscos de transmissão de tuberculose, hepatites virais e HIV. Procure um serviço de saúde ou equipe de redução de danos para troca de seringas e fornecimento de insumos 
  • Informe-se sobre as estratégias de prevenção combinada
  • Se for utilizar cachimbos para substâncias fumadas, coloque piteiras de silicone para evitar queimaduras na boca. Se estiver compartilhando o cachimbo, tenha uma piteira de uso individual
  • Evite misturar drogas, isso torna os efeitos ainda mais imprevisíveis
  • Se for utilizar drogas pela via retal (pelo ânus), dilua a solução com água limpa e fresca e use uma seringa limpa sem agulha
  • Procure informações sobre os efeitos das substâncias que você pretende usar
  • Planeje seu uso com antecedência e, se possível, tenha seu próprio kit de redução de danos
  • Tenha à disposição um recipiente adequado para o descarte de seringas e agulhas usadas, por exemplo, garrafas pet vazias e com tampa. Dessa forma  você evita acidentes e risco de infecção após o uso. 

 

Insumos sugeridos 

  • Seringas e agulhas descartáveis de uso individual (podem ser descartadas em garrafa pet e dispensadas em qualquer unidade básica de saúde)
  • Preservativos
  • Soro fisiológico estéril 
  • Garrote
  • Seringas sem agulha para dosar o GHB
  • Recipiente para diluição de uso individual
  • Luvas
  • Swab/sachê de álcool
  • Higienizador íntimo descartável (chuca)
  • Gel lubrificante
  • Canudos descartáveis de uso individual
  • Piteira de silicone para cachimbo de vidro ou metal de uso individual

 

Onde encontrar insumos e atendimento médico (disponíveis no SUS)

Vacinação para Hepatite B: disponível pelo SUS, nas UBSs, para pessoas de qualquer idade 

Vacinação para Hepatite A: faz parte do calendário vacinal infantil, mas também está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) para pessoas vivendo com HIV, pessoas com doença hepática de qualquer etiologia, inclusive infecção crônica pelos vírus da hepatite B e/ou C, entre outras condições

Testagem para HIV, sífilis e hepatites virais: Rede Municipal Especializada em IST/aids, unidades móveis e UBSs PrEP e PEP: Rede Municipal Especializada em IST/aids

Insumos: Rede Municipal Especializada em IST/aids, UBS, dispensadores de preservativos em diversos locais públicos, como estações de metrô 

O que o É de Lei vem fazendo em relação ao chemsex

  • grupo de estudos 
  • produção de material informativo
  • ações diretas junto aos usuários
  • distribuição de insumos na sede e em cenas de uso
  • participação em eventos, congressos e espaços de discussão relacionados ao tema
  • articulação com serviços especializados de prevenção e de saúde mental
  • capacitação para equipe de agentes de redução de danos do Centro de Convivência É de Lei
  • capacitação para equipes de saúde da rede pública e privada 
  • testagem rápida para hepatites B e C, sífilis e HIV
  • distribuição de autoteste para HIV 

 

Saiba mais:

Em português 

 

Em inglês

  • Mainline 
  • Chemsex | Unity Sexual Health
  • A Guide to Chemsex: What Is It, and How Can You Make It Safer?
  • Chemsex David Stuart
  • CHEMSEX AND HARM REDUCTION FOR GAY MEN AND OTHER MEN WHO HAVE SEX WITH MEN
  • Chemsex: origins of the word, a history of the phenomenon and a respect to the culture   
  • Hegazi A, Lee MJ, Whittaker W, Green S, Simms R, Cutts R, Nagington M, Nathan B, Pakianathan MR. Chemsex and the city: sexualised substance use in gay bisexual and other men who have sex with men attending sexual health clinics. Int J STD aids. 2017 Mar;28(4):362-366.
  • Id YJE, Van Liere AFS, Hoebe CJPA, Nicole H. Chemsex among men who have sex with men living outside major cities and associations with sexually transmitted infections: a crosssectional study in the Netherlands. PLoS One 2019; 14:e0216732.
  • Jalil EM, Torres TS, de A Pereira CC, Farias A, Brito JDU, Lacerda M, da Silva DAR, Wallys N, Ribeiro G, Gomes J, Odara T, Santiago L, Nouveau S, Benedetti M, Pimenta C, Hoagland B, Grinsztejn B, Veloso VG.High Rates of Sexualized Drug Use or Chemsex among Brazilian Transgender Women and Young Sexual and Gender Minorities. Int J Environ Res Public Health. 2022 Feb 2;19(3):1704.
  • Queiroz AAFLN, Sousa AFL, Brignol S, Araújo TME, Reis RK. Vulnerability to HIV among older men who have sex with men users of dating apps in Brazil.. Braz J Infect Dis. 2019 Sep-Oct;23(5):298-306.
  • Sousa ÁFL, Queiroz AAFLN, Lima SVMA, Almeida PD, Oliveira LB, Chone JS, Araújo TME, Brignol SMS, Sousa AR, Mendes IAC, Dias S, Fronteira I. Chemsex practice among men who have sex with men (MSM) during social isolation from COVID-19: multicentric online survey.  Cad Saude Publica. 2020 Nov 20;36(12):e00202420.
  • Stuart D. A chemsex crucible: the context and the controversy. J Fam Plann Reprod Health Care. 2016 Oct;42(4):295-296.

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