A arte existe para que a verdade não nos destrua, disse uma artista, citando Nietzsche, durante seus agradecimentos no Prêmio Arthur Bispo do Rosário, organizado pelo Conselho Regional de Psicologia, nesta terça-feira chuvosa, em São Paulo, na Galeria Olido. A frase não poderia estar mais bem contextualizada. O evento celebrou a produção artística de usuários do sistema de saúde mental – população frequentemente estigmatizada como “ louca” – e reforçou a luta antimanicomial.
O prêmio é inspirado no artista sergipano Arthur Bispo do Rosário (1911-1989), que viveu cinco décadas trancafiado, após ser internado em 1939 na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Negro, solteiro, de naturalidade desconhecida, sem parentes, sem profissão e com antecedentes policiais, foi diagnosticado com esquizofrenia paranóide. Durante os 25 anos ininterruptos que passou sem sair do manicômio, produziu 804 obras. Por tais trabalhos, é considerado um artista de vanguarda, criador de objetos tridimensionais e precursor do que viria se chamar instalação.
Abriu o evento uma peça de teatro da equipe da Galeria Olido que criticou os estigmas do contexto da saúde mental. Uma das atrizes, usuária dos serviços, se enrolou em uma bandeira com dizeres como “ preconceito” , “ racismo” e “ ódio”, simbolizando uma camisa de força.
O evento premiou artistas de seis categorias: “Esculturas/Instalações”, “Pinturas/Ilustrações”, “Fotografias”, “Poesias”, “Contos, Crônicas e Textos” e “Vídeos”. Havia 10 finalistas em cada categoria. Todos, indistintamente, subiram ao palco, receberam um certificado e uma camiseta, e puderam falar no microfone. Os cinco mais bem qualificados receberam também um prêmio de R$ 1 mil. Os outros receberam uma menção honrosa.
A organização do evento optou por chamar os finalistas alternadamente: um premiado, um com menção honrosa e assim por diante. A intenção, bastante perspicaz, fora a de não estimular a competitividade, levando todos ao palco como vencedores. O resultado foi uma festa emocionante e inclusiva, que celebrou a arte dos envolvidos.
O É de Lei, enquanto instituição que trabalha com redução de danos do uso de drogas com população majoritariamente em situação de rua, participou enviando poesias e três filmes do seu Ponto de Cultura. Os três filmes haviam sido selecionados entre os dez finalistas da categoria Vídeos. São eles: A Mala de Um Milhão de Dólares (2011), É de Dentro e de Fora (2012) e O Dorminhoco (2013). Os três levaram o prêmio de R$ 1 mil. (Assista abaixo os filmes)
A festa foi ao estilo É de Lei: espontaneidade e um pouco de bagunça. Ao ser anunciado o prêmio para a Mala de Um Milhão de Dólares, o suposto autor, Valdir Pinto, subiu ao palco, deu estrela, abriu os braços e comemorou feito um centroavante após o gol. Mas não era Valdir. Era um dos mais assíduos conviventes do Ponto de Cultura, Rogério Guimarães, que participou do filme, mas não figurava enquanto autor. Como o autor faltou, indicamos que ele subisse ao palco. Os presentes devem ter se questionado: quem é esse doido do Valdir?…
Após o É de Lei receber seu prêmio pelo filme É de Dentro e de Fora, inesperadamente um convivente da ONG quebrou o protocolo subindo ao palco e falando ao microfone. Ninguém o impediu. “Queria agradecer ao É de Lei” , disse antes de anunciar: “Queria cantar uma música aqui”. E emendou um Roberto Carlos: “Quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo”. Os presentes não apenas aceitaram a intervenção, como cantaram juntos. Por fim, Diego de Paula, oficialmente autor de O Dorminhoco, subiu ao palco e agradeceu a todos.
Filmes do É de Lei premiados