“Não é só a legalização da maconha: é uma reforma da política pública de drogas”, afirma assessora do Uruguai

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Raquel Peyarube, assessora da política de drogas do governo uruguaio, dá entrevista exclusiva ao É de Lei

Entrevista feita por André Contrucci e Bruno Rico

Texto e edição por Gabriela Moncau

A legalização da maconha no Uruguai não significa apenas o feito inédito de um país regulamentar e estatizar a produção, a distribuição e o consumo da erva. Para a médica Raquel Peyarube, assessora da Secretaria Nacional de Drogas do Uruguai, se trata de “uma verdadeira reforma da política pública de drogas”, porque implica também “o governo assumir a responsabilidade de atender, por meio da redução de danos, uma parte da população que esteve negligentemente ignorada”, defende.

Nosso vizinho latino-americano tem de pequeno o que carrega de ousadia nas políticas progressistas aprovadas nos últimos tempos. Com apenas 3,3 milhões de habitantes (equivalente a um sexto da região metropolitana de São Paulo), o Uruguai legalizou o matrimônio igualitário, o aborto e a maconha. Do final de 2013 para cá, duas das três formas legais de conseguir a planta foram implementadas: o cultivo caseiro, limitado a seis pés por pessoa registrada, e os clubes canábicos, produção coletiva de até 99 pés, com até 45 sócios maiores de idade que podem receber no máximo 40 gramas por mês.

A principal forma de acesso à maconha, que vai ser a compra nas farmácias por um preço de cerca de R$4 por grama, ainda não está em vigor. O presidente Tabaré Vázquez, que sucedeu Mujica em 2015, adiou a implementação por prazo indeterminado. Até agora duas empresas foram selecionadas por licitação para começar o cultivo em larga escala em terrenos do Estado e espera-se que em 2016 suas flores cheguem aos 160 mil residentes que o governo calcula como consumidores frequentes de cannabis. A semente é uruguaia, da “cannabis charrúa”, de acordo com Milton Romani, da Junta Nacional de Drogas.

Apesar de estar cedo para fazer avaliações numéricas da política que ainda está sendo colocada em prática, de acordo com o Sexto Levantamento Nacional sobre o Consumo de Maconha no Uruguai, desde que a lei foi aprovada não houve aumento significativo no uso da planta. Nos últimos 12 meses 9,3% da população usou maconha, em comparação a 8,3% em 2011. Foi o menor aumento contabilizado em 14 anos.

Em visita ao Brasil Raquel Peyarube, toxicóloga especialista no uso problemático de drogas, conversou com o É de Lei a respeito dos acertos e dificuldades do processo de implementação da legalização da maconha em seu país, do retrocesso da política de drogas nos governos “de esquerda” do resto da América Latina, sobre como vê a questão das drogas no Brasil, entre outros assuntos. Confira a entrevista:  

                  

Como foi a aprovação da legalização da maconha no Uruguai?

Nós, que estivemos envolvidos no projeto de lei e assessorando o governo, estávamos trabalhando já fazia muito tempo enquanto sociedade civil. Quando começa a ser problemático o uso de pastabase de cocaína, o que aqui chamam crack – que não é crack na maioria das vezes, muitas vezes é mais parecido com pastabase de cocaína do que com crack mesmo, toxicologicamente falando – avisamos o presidente do governo. Estávamos trabalhando muito bem com redução de danos com o presidente da Junta Nacional de Drogas, e avisamos o que ia acontecer. Que com as Convenções de Viena que estavam em situação de proscrição para os países produtores, nossos países terminariam sendo os que iriam refinar a pastabase para transformá-la em cocaína.

Sendo uma droga tão viciante e barata, terminaria sendo um problema. O presidente de então, Jorge Batlle, entendeu o problema e foi o primeiro presidente uruguaio que levantou a ideia de que era preciso legalizar a maconha. Isso foi entre 2003 e 2004. Mas ele não teve apoio do seu partido, do governo,  ninguém o quis apoiar.

Nem da população?

Acredito que a população nesse momento nem considerava a possibilidade. Mas ele não teve apoio político. E tampouco fora do país. Todos os ex-presidentes que governavam nessa época e que agora dizem que tem que legalizar na época não fizeram nada.

Em seguida entramos num grande buraco na política de drogas do Uruguai. O uso da pastabase de cocaína começa a crescer e os problemas sociais e de segurança pública também.

Você estava no governo?

Nunca trabalhei como membra do governo. Fui assessora, consultora, como sou atualmente. Mas nunca fui parte do governo e prefiro me manter nessa condição.

Durante os primeiros cinco anos do governo Frente Amplista a política de drogas foi para trás como com a maioria dos governos de esquerda dos países latino-americanos. Foi realmente um retrocesso: com Lula e com Dilma isso aconteceu, com Bachelet no Chile também, todos os governos de esquerda levaram a política de drogas para trás. Nessa temática se colocaram muito conservadores, não se notou seu progressismo. E agora terão de juntar os pedaços que esse reforço da proibição deixou, ao não centrar as políticas públicas nos direitos humanos, na saúde e num modelo de segurança pública cidadão diferente ao da repressão.

Para nossa cultura democrática e pacífica, quando chega o segundo governo da Frente Ampla, já estávamos numa situação insuportável em relação à insegurança pública, com mortos por disputa de território ou roubos vinculados ao uso de pastabase de cocaína.

Começa a pressão da população sobre as autoridades de governo pedindo medidas para controlar o uso dessa substância. A sociedade civil que assessorava esse novo governo chegou à conclusão que esse pacote de medidas deveria incluir a legalização da cannabis. Entendiam que a legalização significava fechar, não abrir a porta de entrada a drogas mais perigosas, como a cocaína e a pastabase, porque estão sobrepostos os mercados.

Nesse contexto o presidente da República, José Mujica, manda o primeiro Projeto de Lei (PL) ao parlamento, que foi uma lei de artigo único, tecnicamente incorreta e insuficiente, porque a maior preocupação do presidente era o tema da segurança pública e de controle do narcotráfico.

Quando foi isso?

Foi em 2012. O PL é rejeitado pelo parlamento e então somos convocados, os atores que já trabalhavam há tempos nesse tema – eu estava assessorando Sebastián Sabini em um PL que ele iria apresentar sobre o autocultivo – e começamos a trabalhar em um Projeto de Lei integral, que não era somente com critérios de segurança pública, mas também com critérios de direitos humanos e saúde pública. Os grandes opositores foram os colegas médicos, que se apoiam em informação já obsoleta, como acontece na maior parte do mundo: a grande oposição é alimentada por médicos proibicionistas, que não têm conseguido pensar com a liberdade que requer a ciência e os cuidados médicos.

Em 30 de novembro esse PL é aprovado. No dia 10 de dezembro de 2013 é promulgado pelo presidente. E desde então estamos trabalhando na implementação.

Uma coisa importante sobre nossa política: eu nunca falo de regulamentação de cannabis, sempre explico que foi uma verdadeira reforma da política pública de drogas. Não foi somente a regulamentação da maconha, não foi como o que aconteceu em Colorado (EUA). Nossa lei não permite a publicidade porque há outros critérios, não se pretende estimular o consumo, mas além disso, nosso Estado estava omisso na rede de atenção para pessoas que fazem uso de drogas e por meios de redução de danos. Nesta lei nós aproveitamos para tornar obrigatório para o Estado que não fosse negligente em implementar toda a rede de atenção, que é sua obrigação.

A mudança da lei tornou o Estado mais ativo?

Ativo. E isso não é financiar comunidades terapêuticas religiosas. Não. O Estado tem que assumir – ainda mais em um governo de esquerda – a responsabilidade sobre a saúde pública. E as pessoas que usam drogas são cidadãos que também que ter seus serviços orientados a suas necessidades, em todos os seus níveis de complexidade: desde as abordagens psicossociais até as especificidades que podem ter tratamentos de substituição. Agora o Estado está obrigado a implementar isso. Por isso, não se trata simplesmente da legalização da maconha, mas sim do governo assumir a responsabilidade de atender uma parte da população que esteve negligentemente ignorada por todas as abordagens que tinham que ver com a competência do Estado.

             

Quais são as dificuldades para produzir, distribuir e monitorar o comércio de maconha?

É o único país do mundo que vai ter essa experiência a nível nacional de legalizar, e é verdade, está levando tempo, mas porque assumimos uma enorme responsabilidade com nosso país e também com o resto do mundo.

Se essa experiência for positiva, sabemos que pode ser uma solução para muitos países que como Brasil, México e Colômbia, que estão sofrendo gravemente as consequências da guerra às drogas, meu país não chega a fazer nem a sombra do que se passa nesses países. Mas nos adiantamos para não chegar a essa situação, por isso regulamentamos.

Respeito que se está fazendo não com pressa, mas sem pausa. Como se vão definir as variedades que serão vendidas pelo Estado? Quantas serão? A lei diz que não pode ter mais que 15% de THC [Tetrahidrocanabinol, principal substância psicoativa da cannabis), mas quais são os perfis pelos quais a população uruguaia tem mais afinidade? Como vamos monitorar o controle de qualidade? Qual o maior prazer que o usuário pode chegar a ter com o menor risco para a saúde? Essa é minha participação como médica nessa história. Porque não é necessário que a cannabis tenha, como às vezes tem, 25% de THC. O haxixe marroquino, por exemplo, tem enorme efeito, tem 4% de THC. Não é necessário passar de certos níveis. Então teremos distintas variedades com distintas concentrações.

São questões de saúde pública. Que as pessoas possam ter a “brisa” que buscam, seja recreativa, de concentração, de criatividade, distração, ver um filme, para dar risada, celebração; os diferentes usos recreativos, mas com margens de segurança para a saúde. É preciso pensar também naquelas pessoas que têm certas características de personalidade onde é necessário que o THC esteja mais neutralizado. Estamos cuidando da saúde das pessoas que querem se divertir. E isso é um direito.

Muitas pessoas argumentam que são a favor da legalização mas que o país “não está preparado”. Como foi essa discussão no Uruguai?

Creio que não importa se um país está preparado ou não. Eu me pergunto: estamos preparados para ter mais mortos? Mais encarcerados? Mais doentes? Eu creio que não. Alguém está preparado para enfrentar essa violência? Acredito que não. No entanto aprendemos a conviver com ela. E porque não podemos aprender a viver com a saúde e com a legalidade? Me ofende muito quando se desacredita nos povos latino-americanos. Como se fosse uma raça inferior.

As pessoas tem que ter claro que nosso filhos terão contato com as drogas com nós ou sem nós. Vamos entregar essa tarefa ao narcotráfico? Ou responsavelmente como pais vamos aprender a acompanhar nossos filhos, em uma cultura não proibicionista?

No Uruguai, houve alguma reação do tráfico de drogas?

Não porque no Uruguai não temos facções ou cartéis. Até o narcotráfico uruguaio tem o estilo cultural uruguaio que é muito mais pacífico. Eu nunca fui ameaçada, por exemplo. Acho que o narcotráfico já sabia que a legalização da maconha ia acontecer. Dizem que a legalização vai fazer com que a criminalidade desvie seus interesses a outros negócios. Mas eles já tem outros negócios, independente da legalização da maconha. Prostituição infantil, tráfico de pessoas, há de tudo. E ademais, parece bom manter algo na ilegalidade para que seja uma opção melhor de crime a ser cometido? As máfias sempre trocam de negócio, buscando o mais lucrativo. Vamos abandonar nossos filhos e a população mais excluída porque o crime vai querer mudar de negócio? Vamos seguir cuidando do crime ao invés de cuidar da população?

Você citou o apoio da sociedade civil como um fator importante para a aprovação da legalização. Como tem sido a relação do governo com a população? Em 2012, 63% da população era contra a legalização. Em 2014 permaneciam 62%.

É verdade. Acho que teve a ver com um erro grave do governo a respeito da forma como se comunicou esse pacote de medidas, uma forma pouco clara. Para o uso recreativo temos ainda cerca de 50% contra a legalização. Porque custa ainda entender que legalizar não quer dizer liberar. Livre é quando é proibido. Legalizar é restringir a regras. Agora sim vai estar controlado. Agora trocamos quem manda na regulação, já não vai mais estar sob controle do narcotráfico e sim do Estado. Quando se pergunta por legalização, muitos seguem dizendo que não. Mas se perguntamos se a senhora prefere que o filho dela compre maconha (porque tem alta chance de ele querer comprar, ela querendo ou não) com o narcotráfico ou em uma farmácia? Na farmácia. Ou seja, devagar e culturalmente se começa a integrar o conceito de que controlar é do lado da lei.

Para o uso medicinal da maconha aconteceu algo muito interessante. Quando começou esse debate, a porcentagem era de 24% a favor da regulação da cannabis medicinal e 74% contra. Com a população informada, até pessoas mais velhas que 50 anos já estão demandando, perguntando à presidência, dizendo “eu estou fazendo quimioterapia”, “eu tenho esclerose múltipla, já não suporto mais”, “meu filho tem epilepsia”, “eu tenho fibriomialgia”, agora as pessoas falam disso abertamente e estão pedindo que o processo seja rápido para que possam fazer esses usos terapêuticos e seus tratamentos.

O uso medicinal e a medicina canábica não são a mesma coisa. Eu posso ter uma planta de boldo na minha casa e usá-la medicinalmente porque tenho cólica, ou vaporizo cannabis porque estou sem apetite. É um uso medicinal. Mas medicina canábica, com prescrição, recomendação, dosagem, etc., isso não pode ser feito por qualquer um. Sou muito resistente a que qualquer um que esteja cultivando dê um óleo para um paciente, porque não sabem qual a concentração de THC que tem, e o THC não é indicado para quem tem convulsões. Tem de ser CBD [canabidiol] com muito pouco de THC. Então acredito que isso pressupõe uma grande responsabilidade, e a estamos assumindo. E eu espero que outros países que escolham esse caminho não banalizem como fizeram estados nos EUA, onde quem diz qual será a variedade, a porcentagem e a dose são os que a vendem. Se queremos que seja verdadeiramente seguro e eficaz, tem de ser objeto também de responsabilidade como se dá a outros tratamentos.

No Brasil a figura do presidente Mujica é muito positiva. As pessoas acabam tendo contato do que está acontecendo no Uruguai através da imagem dele. Mas perguntando sobre a relação entre o governo e a sociedade, você comenta que talvez a comunicação não tenha sido das melhores. Qual o papel da figura de Pepe Mujica na mudança da política de drogas?

No Uruguai não ajudou muito. Mujica é mais valorizado fora do país do que dentro. Ele tem um estilo comunicacional que não foi muito feliz. E é uma coisa que merece a sua crítica. O que eu valorizo é que três grandes mudanças sociais no Uruguai aconteceram durante o seu governo e isso é indiscutível: matrimônio igualitário, legalização do aborto e regulamentação da cannabis. Isso não foi possível em outro governo de esquerda. Eu acredito que a bancada do partido do governo que tinha maioria parlamentar pôde avançar nas políticas sociais nesse contexto. Também tiveram questões que não foram muito felizes, mas não há governos ideais, há governos possíveis.

Sobre a regulamentação da maconha, Mujica não foi de grande ajuda. Ajudou a nível internacional, porque como é muito querido e respeitado fora do país, deu essa legitimidade ao processo e ajudou a que outros revisem suas políticas de drogas. Mas internamente ele dificultou muito a comunicação. A cada vez que Mujica falava nos meios de comunicação sobre isso, expressava sua vontade política, mas falava também de coisas que nem sequer estavam escritas na lei, o que gerou muita confusão, tivemos de sair a explicar que não era exatamente assim o que estávamos preparando, ou seja, as pessoas tinham um entendimento de que não estava claro o que seria feito. E sim, estava bastante claro. Mas não bem comunicado.

Você tem viajado bastante discutindo política de drogas. Como você vê a política de drogas no Brasil? E qual sua percepção da política de drogas no mundo?

Quando eu defino a problemática das drogas no mundo sempre digo que é um problema geopolítico. As pessoas dizem que é um problema criminal e de saúde. Eu digo que essas são as suas consequências.

O que nossos filhos consomem ficou determinado pelas convenções. Convenções essas que o Uruguai deixou de respeitar, mas a população do mundo deve saber que os seus políticos podem fazer o mesmo, porque as convenções de drogas são hierarquicamente inferiores às de direitos humanos.

Como vejo a situação? Muitos países não estão politicamente preparados para dizer “vamos regular tudo”. Mas muitos estão de acordo com uma regulamentação parcial, seja medicinal, seja industrial ou do uso recreativo.

Para alguns países o caminho possível – e talvez seja o caso do Brasil – é começar pela cannabis medicinal, porque ajuda com a desconstrução da demonização da maconha. Se ajuda com tantas doenças, como que pode ser uma substância intrinsecamente má?

Que problemas vejo no Brasil? Para mim é muito impactante a enorme influência que a religião tem na democracia brasileira. Eu creio que aqui esse moralismo tão forte de alguns grupos parlamentários evangélicos tem um peso político e econômico muito forte. Então a população brasileira é muito controlável do ponto de vista religioso.

Uma coisa é a política doméstica, é o que eu quero para minha casa e a minha coletividade, e outra coisa é a política pública, que é para todos a população do país. Da política doméstica que se ocupe cada um com suas crenças. Então creio que o Brasil tem um obstáculo grande nesse sentido: até os tratamentos são religiosos, o peso que tem as comunidades terapêuticas e seus discursos, que não são tratamentos científicos – e eu como Estado não permitiria que se chamassem de tratamento. Podem ser comunidades de vida, podem fazer bem o que se propõem a fazer, eu não nego isso e não estou entrando nesse mérito, mas é outra coisa que tratamento. Ninguém vai para a igreja para tratar da diabete.

Nem todo remédio cura e nem tudo que cura é da medicina. Mas também é verdade que a medicina é avaliável. E o que é dogmático e religioso não pode ser avaliado. E pode ser objeto de justificar qualquer abuso, porque é a palavra de Deus, interpretada pelos homens. Eu digo que dê à César o que é de César e à Deus o que é de Deus. E as políticas públicas são de César. Cuidemos de todos. E definamos a diferença entre o que é para certas comunidades ou formas de cultura. Que é o que aconteceu no Brasil com a ayahuasca: definiu que teria de ser respeitado o que é para uma comunidade, uma crença religiosa e um uso tradicional. O Brasil já tem a experiência em cuidar desse tipo de decisão política. Por que custa tanto para a maconha?

Aqui a opinião pública tem começado a aceitar melhor a ideia do uso de maconha para fins medicinais.

Outro dia tinha um representante das comunidades terapêuticas religiosas num evento que eu estava. E ele argumentava que o problema é que se regulamentar o uso para fins medicinais vai abrir caminho para a regulamentação do uso recreativo.

Pois bem, qual o problema nisso? Vamos negar a eles o direito à cura ou a melhora em suas enfermidades pelo medo à futurologia, que ninguém tem certeza? Ou melhor, sim temos certeza que não vai aumentar. Na Holanda diminuiu o consumo de todas as substâncias mais graves, incluindo a cannabis. E no Colorado os índices de criminalidade estão diminuindo: o crime violento, o crime não violento e o uso de álcool nos acidentes de trânsito. Eu recebo as análises e avaliações dos governos. Então as pessoas tem que saber essa verdade.

As pessoas ficam deslumbradas por essa visão moral de que as drogas são o mal e atentam contra a família. O que é atentado contra a família é o sofrimento e a crença de que seus filhos são delinquentes quando não são. Isso gera dor e sentimentos de culpa. A família pensa “o que eu fiz para ter um filho assim?”. Nada senhora, não é sua culpa. Faz parte de um modelo de inscrição na cultura, que temos que aprender a controlar de outra maneira.

Mas eu estou bastante otimista. Pensar que o país que criou a proibição tem já metade dos seus estados legalizando pelo menos o uso medicinal da maconha. Já sabem que essa guerra está perdida, porque foi um fracasso estrondoso que só gerou sofrimento, dor e morte. Nas minhas viagens sempre me perguntam: “Quanto vai demorar para esse país chegar à regulamentação?”. Sempre lhes respondo: perguntem a seus políticos quantos mortos, encarcerados e doentes eles querem que haja ainda. Essa é a medida do tempo que vai demorar.