Gentrificação = Violação de Direitos Humanos
por Maria Angélica Comis
Como o ano de pandemia é no mesmo ano em que ocorre a eleição municipal, não há nada como poder justificar toda e qualquer violação de direitos em prol da especulação imobiliária. Assim, o processo de gentrificação iniciado em 2017 voltou a todo vapor.
Não tem sido fácil estabelecer como será a política de drogas de São Paulo, principalmente em relação as pessoas usuárias de drogas que vivem nas ruas. Em 21 maio de 2017, o então prefeito de São Paulo João Dória armou uma intervenção policial que contou com 900 policiais na região conhecida como “Cracolância”, para retomar o controle da área, conhecida por ser um lugar onde se pratica prostituição e vários tipos de negócios ilegais também. Na época, houve a tentativa de demolir imóveis (com pessoas dentro) e internar pessoas à força.
Ainda em 2017, a prefeitura passou a atuar com a seguinte prática: encaminhar as pessoas para hospitais psiquiátricos, para se desintoxicar durante um mês. Porém, sem articulação intersetorial, as pessoas voltavam para as ruas logo que saíam.
Nesse mesmo ano, diversas organizações da sociedade civil, especialistas da área de urbanismo e movimentos sociais se uniram e escreveram um projeto denominado “Campos Elíseos Vivo”. O projeto tem como objetivo demonstrar que é possível reorganizar o bairro, garantir diferentes tipos de moradia, além de cuidado para as pessoas que o frequentam.
Em 2018, com o atual prefeito Bruno Covas, além da intensificação da violência policial, o Programa Municipal Redenção passou a ser implementado, com abordagens de rua, criação de equipamentos denominados ATENDE (serviço da Assistência Social) e, ainda, encaminhamentos para hospitais psiquiátricos.
Ações de redução de danos? Apenas no documento entregue ao Ministério Público.
No ano de 2019, publicou-se a política municipal sobre álcool e outras drogas, que em seu texto prevê estratégias de redução de danos. No entanto, a publicação da lei serviu para apenas favorecer a escrita do decreto sobre o funcionamento do Programa Redenção. Este, por sua vez, apesar de demonstrar ter realizado muitos atendimentos e possuir dotação orçamentária, tem servido como uma estratégia para favorecer a gentrificação da população que já teve seus direitos violados sistematicamente durante seu desenvolvimento.
Em 2020, em pleno ano de calamidade e pandemia por conta da COVID-19, a desigualdade social ficou mais evidente. Contudo, a prefeitura julgou ser o melhor momento para implementar uma nova fase do Programa Redenção, afinal de contas é ano eleitoral e é necessário “mostrar serviço”.
Em prol do “cuidado” das pessoas, foi realizado o fechamento do único equipamento que atendia as pessoas que frequentam o local chamado “fluxo”, na Cracolândia, e inaugurou-se um equipamento vinculado ao Redenção a alguns quilômetros da região. Ao tentar deslocar o atendimento da população da região da Luz para esta nova, o Glicério, a população que já vive ali e também necessita de atendimento, é desconsiderada. As notícias da mídia mostram que essa população, sem uma oferta adequada às suas necessidades, se expande, sofrendo ainda mais estigmatização na cidade.
Como o ano de pandemia é no mesmo ano em que ocorre a eleição municipal, não há nada como poder justificar toda e qualquer violação de direitos em prol da especulação imobiliária. Assim, o processo de gentrificação iniciado em 2017 voltou a todo vapor.
No dia de ontem (14/10/2020) iniciou-se a demolição do local que já foi um serviço que atendia famílias (SMADS), a tenda do Programa De Braços Abertos (espaço intersetorial de cuidado) e o Atende II (SMADS).
Como ficam as pessoas que residem na região? Como ficam as pessoas que ali trabalham? Qual a segurança que a sociedade civil e os coletivos que atuam ali possuem para realizar o trabalho de campo, tendo em vista que a violência policial aumentou? Qual o risco que as pessoas e organizações que denunciam as violações de direitos humanos correm?
Gentrificação é uma política higienista e genocida!