É de Lei filma seu próximo curta: com festa a fantasia, o debate é sobre identidade

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Por Gabriela Moncau

Era uma quinta-feira à tarde e a música dançante ecoava do coreto da Bovespa (na praça Antônio Prado), no centro da cidade. Quem passava, mesmo apressado, parava para dar uma espiada naquela gente fantasiada que ria e dançava. Alguns menos apressados pediam um chapéu, uma peruca, um tapa-olho de pirata ou qualquer apetrecho disponível na sacola aberta no chão e entravam na brincadeira. Era a gravação do mais novo curta-metragem do Ponto de Cultura do É de Lei, que está agora em fase de edição.

                

A ideia de encenar uma festa a fantasia dentro do coreto, com “seguranças” na porta que arbitrariamente barravam algumas das pessoas querendo entrar surgiu de um debate sobre identidade que tem sido objeto de reflexão dentro do Centro de Convivência É de Lei. “O projeto surgiu nas oficinas de vídeo a partir de um questionamento dos nossos conviventes sobre as contradições de ter ou não um documento de identidade. Aquele número e nome diz quem eu sou ou me garante cidadania? O que nos identifica neste mundão de Franciscos e Raimundos?”, conta Priscilla Cavalieri, oficineira do Ponto de Cultura.

Quais as vantagens e crises de adotar diferentes nomes quando se está em situação de rua? Por que isso é tão comum? O seu nome ou o seu RG moldam quem você é? Você pode escolher quem quer ser? “Achei incrível como até as pessoas que não participaram do processo das oficinas e de toda a elaboração das identidades e personagens se integraram à proposta de forma intuitiva. Ali estava todo mundo atuando, sendo outro, mas de alguma forma sendo também radicalmente aquilo que é”, narra Priscilla.

                

“Numa festa a fantasia você pode ser quem você quiser”, fala Carlão, convivente do É de Lei que fez papel de segurança na porta da festa. “Identidade perdida é a pessoa que não tem um nome, não tem um documento para entrar numa festa, por exemplo. Acho que a maioria das pessoas não tem documento. Eu mesmo já vivi sem documento por três anos. Me atrapalhou muito. Não conseguia arrumar trabalho, não conseguia me organizar”, relata.

Já Aécio ficou na função da filmagem. Para ele, identidade tem a ver com comportamento, “não só com um papel”. “Identidade é uma coisa escondida, é um jeito de ser, de se posicionar, é uma coisa que está dentro da gente. Uma coisa que você cria à medida que vai amadurecendo”, descreve, resumindo: “Se conhecer a si mesmo, isso é saber a sua identidade”. “Acho que isso tem a ver com a proposta de redução de danos que a gente tem: ajudar a pessoa a se conhecer, porque quem não encontra a sua identidade se frustra. E conseguir fazer isso num país que foi colonizado, que saiu da ditadura há só 30 anos, é também mudar a sociedade, porque faz a gente parar pra pensar: quem somos nós?”, argumenta. “Mudar para uma outra sociedade, que seja livre, justa e sem polícia. Porque não vai ter motivo pra ninguém ser bandido, então também não vai ter que ter polícia”, finaliza. 



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