Nota Técnica de Entidades e MNPR sobre a PORTARIA nº 4 de 22 de Outubro de 2020

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Nota Técnica de Entidades e MNPR sobre a PORTARIA nº 4 de 22 de Outubro de 2020

A Associação Brasileira de Saúde Mental, o Movimento Nacional de População em Situação de Rua, o Centro de Convivência É de Lei e a Associação Brasileira de Redução de Danos elaboraram essa Nota Técnica a partir da análise da PORTARIA Nº 4 de 22 de outubro de 2020 que aprova orientação técnica conjunta para a atuação intersetorial e integrada entre a rede socioassistencial e as Comunidades Terapêuticas no enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) junto à população em situação de rua, usuária abusiva de substâncias psicoativas.

A análise das Organizações da Sociedade Civil e Movimentos Sociais  seguirá as normativas internacionais acerca do cuidado e promoção de direitos das pessoas que usam  drogas, bem como, a legislação nacional e o conjunto de portarias e decretos que construíram a política nacional de saúde mental, álcool e outras drogas, nos últimos 30 anos no Brasil, bem como, as diretrizes da política nacional de população em situação de rua.

Considerando a PORTARIA Nº 4 de 22 de outubro de 2020 que aprova orientação técnica conjunta para a atuação intersetorial e integrada entre a rede socioassistencial e as Comunidades Terapêuticas no enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19) junto à população em situação de rua, usuária abusiva de substâncias psicoativas.;

Considerando a Portaria 69/2020 orienta para o uso do repasse financeiro emergencial em ações socioassistenciais e estruturação da rede do Sistema Único de Assistência Social (Suas) – especificamente no acolhimento das pessoas em situação de rua. A normativa do Ministério da Cidadania trata sobre os dependentes químicos e a atuação conjunta das Comunidades com a gestão municipal.;

Considerando o edital lançado no dia 01/10/2020 lançado pelo Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional de  Assistência Social (SNAS) e de Cuidados e Prevenção às Drogas (SENAPRED) que prevê a destinação de R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) pelo governo federal para o  acolhimento de pessoas em situação de rua em comunidades terapêuticas e pretende ofertar 1.456 vagas para a internação de  pessoas em situação de rua com necessidades decorrentes do uso de drogas para 287  entidades privadas;

Considerando que a Política Nacional para a População em Situação de Rua – PNPR, foi instituída pelo Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009 para assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as diversas políticas públicas desenvolvidas pelos nove ministérios que o compõem;

Considerando que a PNPR garante os processos de participação e controle social e possui entre seus princípios, além da igualdade e equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana; o direito à convivência familiar e comunitária; a valorização e respeito à vida e à cidadania; o atendimento humanizado e universalizado; e o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência;

Considerando que a população em situação de rua é definida na Política Nacional da População de Rua como um “grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos  familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional  regular, e que utiliza áreas públicas como espaço de moradia e de sustento, de forma  temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite  temporário ou como moradia provisória”;

Considerando a Ata de 28 de julho de 2016, em que a plenária do CIAMP-RUA nacional aprovou a priorização da moradia e a disseminação de um conceito e metodologia inspirados no modelo Moradia Primeiro, que objetiva o imediato acesso da pessoa em situação de rua a uma moradia segura, individual e integrada à comunidade;

Considerando o Guia de Atuação Ministerial: defesa dos direitos das pessoas em situação de rua, do Conselho Nacional do Ministério Público, de 2015;

Considerando o Relatório Nacional de Inspeção  em comunidades terapêuticas (CFP, 2017), elaborado conjuntamente pelo Mecanismo  Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Conselho Federal de Psicologia,  Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e pelo Ministério Público Federal que apontou um conjunto de violações de direitos humanos nas referidas comunidades terapêuticas;

Considerando que a Política de Álcool e outras Drogas no país se fundamenta na Lei nº 10.216/01, que reitera a centralidade dos processos de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial;

Considerando que o documento elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), em 2008, que descreve dez princípios gerais que orientam o tratamento da dependência de drogas. Um deles, intitulado “Tratamento da dependência de drogas, direitos humanos e dignidade do paciente” explicita que o direito à autonomia e autodeterminação, o combate ao estigma, ao preconceito e à discriminação e o respeito aos direitos humanos devem ser observados em qualquer estratégia de tratamento para a dependência de drogas. O documento também recomenda que o tratamento não deve ser forçado aos pacientes;

Considerando que em 2013 a Assembleia Mundial da Saúde aprovou o “Plano de Ação Global de Saúde Mental 2013-2020”, plano esse que é um compromisso de todos os Estados-membros da OMS na tomada de medidas específicas para melhorar a saúde mental e contribuir para a realização de um conjunto de metas globais para alcançar melhor qualidade de vida e saúde. No Plano de Ação é dada ênfase especial à proteção de direitos humanos, ao fortalecimento e ao empoderamento da sociedade civil, centralizando e fortalecendo mais uma vez a atenção de base comunitária;

Considerando que a I Reunião Regional de Usuários de Serviços de Saúde Mental e Familiares, realizada em Brasília/DF, de 15 a 17 de outubro de 2013, promovida pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), aprovou o “Consenso de Brasília” e afirmou o desenvolvimento ou fortalecimento de ações governamentais, setoriais e intersetoriais, com a perspectiva de promover a autonomia, de ampliar o acesso ao cuidado de base comunitária e territorial e de lutar contra o estigma e o preconceito associado às pessoas com transtorno mental, e pela desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos;

Considerando que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) promoveu o I Seminário Internacional sobre Moradia para a População em Situação de Rua, em Brasília/DF nos dias 3 e 4 de dezembro de 2019 tendo como centralidade da política pública para a população em situação de rua, o Programa Moradia Primeiro;

Considerando a Resolução nº 08, de 14 de agosto de 2019 do Conselho Nacional de Direitos Humanos que dispõe sobre soluções preventivas de violação e garantidoras de direitos aos portadores de transtornos mentais e usuários problemáticos de álcool e outras drogas;

Considerando a Resolução nº 06, de outubro de 2015 que instituiu a Comissão dos Direitos da População em Situação de Rua, no âmbito do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH e que o mesmo também não foi consultado ou discutido a Portaria n. 4/20;

Considerando a Resolução nº 40, de 13 de outubro de  2020 que  dispõe sobre as diretrizes para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas em situação de rua, de acordo com a Política Nacional para População em Situação de Rua;

Considerando a Resolução n. 40/20 do CNDH em seu “Art. 2º As ações de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas em situação de rua devem se guiar pelos princípios da Política Nacional para a População em situação de Rua, conforme o Decreto nº 7.053/2009, quais sejam: I – respeito à dignidade da pessoa humana; II – direito à convivência familiar e comunitária; III – valorização e respeito à vida e à cidadania; IV – atendimento humanizado e universalizado; e V – respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência” e em seu “Art. 3º As pessoas em situação rua, bem como pessoas com trajetória de rua, devem participar ativamente dos processos decisórios de planejamento, execução, monitoramento e avaliação de ações voltadas para o seu atendimento, com a valorização da escuta ativa, protagonismo e autonomia nas decisões e acordos, a partir de, mas não somente, ações públicas coletivas, como forma de garantia de participação na implementação e monitoramento, fortalecimento dos Comitês Intersetoriais de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP Rua) e formação popular permanente, inclusive a nível municipal, estadual e distrital;

Considerando os “Art. 22 É responsabilidade do Estado garantir e promover o direito à cidade, à terra, à moradia e ao território, devendo formular e executar políticas públicas adequadas para essa finalidade, além de estabelecer mecanismos para a reparação desses direitos quando violados e para prevenir novas violações” e o “Art. 23 O Estado deve garantir às pessoas em situação de rua o direito à cidade, construído entre outros pelo direito de: I – ir e vir; II – permanecer em espaço público; III – acessar equipamentos e serviços públicos Parágrafo único. É vedada a remoção de pessoas em espaços públicos pelo fato de estarem em situação de rua”; 

Considerando que a referida Portaria nº. 04/2020 não foi discutida e aprovada no Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CIAMP-Rua) e viola assim o princípio expresso da participação social previsto na Constituição e no Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009;

A partir das considerações  e da análise da referida portaria instituída pelo Ministério da Cidadania, as Organizações da Sociedade Civil e Movimentos Sociais recomendam em caráter de urgência:

  1. A revogação da Portaria nº. 04/2020 pelo Ministério da Cidadania e que a discussão sobre a mesma seja remetida ao CIAMP e a Comissão Permanente de População em Situação de Rua do Conselho Nacional de Direitos Humanos garantindo a participação e o controle social previsto na Política Nacional de População em Situação de Rua;

  2. Cancelamento do Edital lançado no dia 01/10/2020 pelo Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Nacional de  Assistência Social (SNAS) e de Cuidados e Prevenção às Drogas (SENAPRED) que  prevê a destinação de R$10.000.000 (dez milhões de reais) pelo governo federal para o  acolhimento de pessoas em situação de rua em comunidades terapêuticas e que os recursos destinados aos mesmos sejam orientados para o desenvolvimento do Programa Moradia Primeiro, prioritário pelo CIAMP e como definido em Seminário Internacional promovido pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

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