Esta é uma tradução com adaptações para o contexto brasileiro do artigo de Gabriel Buitrón Almeida (Ecuador), publicado no site da LANPUD
Tradução por Janaina Rubio Gonçalves
A Redução de riscos e danos de e para pessoas usuárias de substâncias psicoativas na América Latina e Caribe, como práticas e teoria, tem particularidades próprias de seu território, sem dúvida. Mas o que fazer em um cenário de crise, como o atual Covid-19, para nos proteger?
Fazendo um breve traçado histórico [1], a Redução de Danos nasceu na Holanda na década de 1970 com o “modelo de aceitação”; na década de 1980, passou a ser praticada na Inglaterra como resposta ao HIV [2], no Brasil [3] no final da década de 1980, no anos 90 na Austrália, no final dos anos 90 na Argentina e em 2002 na Suécia, como um conjunto de práticas de assistência para usuários de heroína e para outros usuários em situações de vulnerabilidade.
É adotada por outras organizações sociais europeias, desta vez por usuários, no início dos anos 2000, como estratégias éticas, políticas e estéticas para o autocuidado, sendo uma das principais referências, o Energy Control [4]. No final da primeira década deste século, tornou-se uma linha de pesquisa na área de ciências sociais, embora alguns setores médicos e epidemiologistas também tenham se apoiado nessas visões positivistas.
Com base nos precedentes da Liga Australiana de Usuários de Drogas Injetáveis e Ilícitas (Australian Injecting and Illicit drug users League, 1992), da “União Sueca de Usuários de Drogas” (The Swedish Drug User Union, 2002) e da “Rede Internacional de pessoas que usam drogas ”(International Network for People who Use Drugs) [5], desde 2010 em diante esta corrente cresce e floresce na América Latina e no Caribe, com suas particularidades e diversidades.
Aos poucos, a Redução de Danos começa a ser articulada a partir dos usuários de substâncias psicoativas, nos diferentes contextos dos países latino-americanos, mas também se aprofunda em estudos e pesquisas, como a construção de sua própria teoria e discurso.
No Brasil, nasce o movimento antimanicomial [6] e a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA) [7], na Argentina, a Associação Argentina de Redução de Danos (ARDA) [8] e a Rede Argentina de Direitos das/dos Usuários de drogas (RADAUD) [9], na Colômbia, a Ação Técnica Social [10] e Échele Cabeza quando te der na cabeça [11], no México, Espolea [12] e no ReverdeSer Colectivo [13], e assim foram surgindo as organizações, programas, projetos e ações de redução de riscos e danos a partir dos usuários e voltados para eles, em toda a região.
Finalmente, na América Latina, decidimos nos organizar regionalmente e, em 2012 nasceu o LANPUD [14], que atualmente reúne usuários de 13 países da região.
Hoje, a Covid-19 chegou e avança progressivamente através de nossos territórios e corpos, transformando-se em uma crise sanitária global. Nós, pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas, somos uma das populações-chave na prevenção e contenção do avanço do coronavírus, assim como já éramos e somos em relação a outras pandemias.
Por esse e outros motivos, somos uma parte importante da solução, ao mesmo tempo em que também somos uma população historicamente violada e vulnerável.
Embora tenha muitos precedentes na América Latina e no Caribe, a perspectiva teórica e prática mexicana já é proposta como a Lógica Ampliada da Redução de Danos, sendo uma posição política e não apenas sanitária, além de nos mostrar que o dano não vem apenas do consumo de drogas, inclusive poderia ser inexistente. Entretanto os danos veem em magnitude ainda maior através da violência produzida pelo narcotráfico ou pela estratégia global da guerra contra as drogas, mas também pela cumplicidade, ineficácia, incompetência ou ignorância dos Estados.
Assim, em meio à pandemia de Covid-19, a partir da postura e conhecimento de pessoas que usam substâncias psicoativas, desde a teoria e práticas de redução de riscos e danos de um amplo espectro, da luta ética, política e estética contra a violência, contra a desigualdade, pela saúde da comunidade e pela defesa dos direitos humanos de nossas populações, convocamos os Estados dos países da América Latina e do Caribe a monitorar e garantir o direito à saúde dos usuários, em absoluta equidade para essas pessoas que não são reconhecidos como tais. Além disso, propomos as seguintes estratégias para redução de riscos e danos [15] em pessoas que usam substâncias psicoativas em contextos de coronavírus.
Para os Estados, seus funcionários e autoridades:
Principais recomendações de redução de riscos e danos para os funcionários e autoridades do Estado.
-Garantir a integridade dos direitos humanos e constitucionais de cada país para as pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas.
-Garantir o direito à não discriminação das pessoas que fazem uso de drogas, sobretudo dos serviços/equipamentos de segurança e saúde dos Estados.
-Garantir, em meio a crise sanitária global da covid-19, o direito à saúde das pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas.
-Fortalecer os sistemas de saúde pública para que estejam preparados, especialmente em situações de saúde relacionadas a crises por abstinência de opióides ou estimulantes, em consequência das quarentenas programadas nos diferentes países.
-Coletar dados, protocolos e ações afirmativas com usuários em diferentes populações-chave, como pessoas da diversidade LGBTTTIQ+, pessoas vivendo com HIV, pessoas que trabalham em atividades sexuais, pessoas em situação de rua, trabalhadoras e trabalhadores autônomos, etc.
Para as pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas:
-Não compartilhe garrafas, copos, xícaras ou qualquer recipiente de bebidas com outras pessoas, por mais próximas que estejam. Descarte ou lave os recipientes após o uso.
-Não compartilhe cigarros, cachimbos ou cigarros de maconha. Cada um terá que usar suas substâncias (cigarro de maconha, tabaco etc.) e seus insumos (cachimbos, piteiras etc.) individualmente.
-Não compartilhe chaves ou canudos com os quais você cheira ou inala substâncias como 2cb, cocaína ou ketamina. É fundamental que você não machuque sua mucosa, pois isso pode aumentar sua exposição à infecções.
-Não compartilhe inalantes como colas, solventes ou poppers. Use recipientes individuais e evite tocar demais em outras pessoas e insumos.
-Se você usa substâncias como ecstasy ou MDMA, que facilitam as relações sociais, tente por algumas semanas não ceder a afetos como beijar, abraçar ou fazer sexo. Se você decidir fazer sexo, proteja-se como sempre, use camisinha.
-Fique em casa. Por algumas semanas, evite festas e outras aglomerações. Não é apenas por você, mas por todos, especialmente por pessoas com idade acima de 60 anos.
-Limpe a área onde você vai usar substâncias psicoativas com água e sabão e depois desinfete com álcool. Faça-o diariamente com todos os instrumentos e acessórios.
-Lave as mãos com sabão várias vezes ao dia, desinfete-as constantemente com gel antibacteriano e não toque no rosto. Fortalecer seu sistema imunológico é a coisa mais importante como alimentar-se de forma saudável e incluir frutas, especialmente as cítricas.
-Siga os protocolos de desinfecção como o uso de álcool nas mãos, antebraços, face e uso de uma máscara caso se aproxime de pessoas com idade acima de 65 anos, pessoas com imunossupressão ou pessoas com doenças prévias, pois são mais propensas a desenvolverem quadros mais graves quando infectadas pelo vírus.
-Se você não tiver outra alternativa a não ser sair e comprar sua quantidade individual de droga, não se esqueça de proteger bem suas mucosas (olhos, nariz, boca, orelhas), além de usar uma touca para proteger o cabelo e roupas de manga suficientes para cobrir a pele.
-Tente manter uma distância física de 2 metros de todas as pessoas, inclusive do seu fornecedor.
-Leve dinheiro suficiente para comprar sua quantidade de drogas para uso individual e, assim, evitar receber trocos que possam conter partículas virais.
-Você deve seguir um protocolo de entrada na casa: antes de tudo, desinfete com álcool as suas mãos, roupas, mochilas/bolsas e os pacotes em que as substâncias vêm embaladas, depois troque de roupa e lave as mãos e o rosto.
-Prepare-se para a abstinência. Diante da possibilidade de quarentenas mais extensas e restritas, armazene uma quantidade de droga suficiente, com o máximo cuidado ou prepare seu corpo e mente para aguentar um tempo sem usar substâncias psicoativas.
Referências Bibliográficas:
- INPUD. (2014). “Timeline of Events in the History of Drugs”. International Network for People who Use Drugs, Londres – Reino Unido. Versión digital recuperada el 14/03/2020, de: https://inpud.wordpress.com/timeline-of-events-in-the-history-of-drugs/
- Intercambios. (2020). “¿Qué es Reducción de Daños”. Intercambios Asociación Civil. Argentina. Versión digital recuperada el 20/03/2020, de: http://intercambios.org.ar/es/biblioteca/reduccion-de-danos-2/#1473881650026-5f35422f-36b3
- Intercambios. (2020). “Prácticas de trabajo en drogas. De la acción a la reflección… y vuelta”. Intercambios Asociación Civil. Argentina. Versión digital recuperada el 20/03/2020, de: http://intercambios.org.ar/news-2017/Practicasdetrabajoendrogas2013.pdf
- Energy Control. (2020). “Fiesta y drogas en los tiempos del coronavirus”. Energy Control. España. Versión digital recuperada el 14/03/2020, de: https://energycontrol.org/noticias/610-fiesta-y-drogas-en-tiempos-del-coronavirus.html?fbclid=IwAR2zLnPhK-DD2IIgAsqCX8tyZculCZcyy7ttGDMT2OKDa3b-L-ynnAn15Wk
- INPUD. (2020). “COVID19 Reducción de daños para personas que usan drogas” International Network for People who Use Drugs, Londres – Reino Unido. Versión digital recuperada el 14/03/2020, de: https://www.talkingdrugs.org/es/covid19-reducci%C3%B3n-de-da%C3%B1os-para-personas-que-usan-drogas?fbclid=IwAR1zTbtgIOoRHo_8s1zUVqd1QJrnik3zhdrqOOH14Tjq5LaMMjyFqpVt2E4
- Luchmann, Ligia. (2007). “O movimento antimanicomial no Brasil” en Revista Ciência & Saúde Coletiva p. 12. Brasil. Versión digital recuperada el 15/03/2020, de: https://www.researchgate.net/publication/33024712_O_movimento_antimanicomial_no_Brasil
- RENFA. (2020). Red Social: Página de Facebook. Versión digital recuperada el 15/03/2020, de: https://www.facebook.com/renfantiproibicionistas/
- ARDA (2020). Red Social: Página de Facebook. Versión digital recuperada el 15/03/2020, de: https://www.facebook.com/ardaargentina/
- RADAU. (2020). Red Social: Página de Facebook. Versión digital recuperada el 15/03/2020, de: https://www.facebook.com/Radaud-Red-Argentina-1467994579905492/
- ATS. (2020). Página Web. Versión digital recuperada el 15/03/2020, de: https://www.acciontecnicasocial.com/
- Échele Cabeza cuando se de en la cabeza. (2020). “CORONAVIRUS Y DROGAS” Versión digital recuperada el 16/03/2020, de: https://www.facebook.com/echelecabeza/photos/a.610873392343796/2686170328147415/?type=3
- Espolea. (2017). Red Social: Página de Facebook. Versión digital recuperada el 16/03/2020, de: https://www.facebook.com/Espolea/
- ReverdeSer Colectivo. Página Web. Versión digital recuperada el 16/03/2020, de: http://reverdeser.org/
- LANPUD. (2020). “Manifiesto Fundacional de la Red Latinoamericana y del Caribe de Personas que Usan Drogas, Solvador de Bahía 2012”. Red Latinoamericana y del Caribe de Personas que Usan Drogas, en Facebook. Latinoamérica. Versión digital recuperada el 17/03/2020, de: http://www.redlanpud.net/manifiesto-2012/
- – RIOD. (2018). “LA REDUCCIÓN DE DAÑOS EN LA INTERVENCIÓN CON DROGAS. CONCEPTO Y BUENAS PRÁCTICAS”. Red Iberoamericana de ONG que trabajan con Drogas y Adicciones. Versión digital recuperada el 18/03/2020, de: https://www.cuentocontigocuentaconmigo.riod.org/materiales/guia_rd_riod.pdf?fbclid=IwAR3F4i-KTleeyO3zjiM5LdjQYUjUwshgMoQuTlJCSKDWzdWLuaL3bInQeJI
LANPUD. (2020). “Drogas y COVID-19”. Red Latinoamericana y del Caribe de Personas que Usan Drogas, en Facebook. Latinoamérica. Versión digital recuperada el 17/03/2020, de: https://www.facebook.com/LANPUD/photos/a.435485889843400/3009838509074779/?type=3
Godoy, Aline; Gomes, Bruno Ramos; Sant´Anna, Marina; Costa, Roberta Marcondes. (2014). “I Fórum Estadual de Redução de Danos do Estado de São Paulo”. Bibliotecária Janaina Ramos, Brasil. Versión digital recuperada el 21/03/2020, de: https://edelei.org/wp-content/uploads/2019/02/FERD-E-de-Lei.pdf
Rhodes, Tim; Hedrich, Dagmar. (2010). “Harm reduction: evidence, impacts and challenges”. European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction, Spain. Versión digital recuperada el 21/03/2020, de: http://www.emcdda.europa.eu/system/files/publications/555/EMCDDA-monograph10-harm_reduction_final_205049.pdf