A Redução de danos não ergue muros

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O muro construído na região da Cracolândia é um símbolo cruel de segregação e repressão, uma barreira física e simbólica que aprofunda as violações de direitos humanos contra as pessoas em situação de vulnerabilidade que frequentam a região. 

Por meio da intensificação da opressão policial, que inclui revistas noturnas abusivas, deslocamentos forçados e controle territorial, o muro evidencia uma política de controle que criminaliza a pobreza e o uso de drogas, como denunciado pelo COMUDA (Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas e Álcool do Município de São Paulo). Essa estrutura não resolve os problemas, mas os oculta e perpetua.

As consequências dessa guerra às drogas recaem diretamente sobre a perspectiva da Redução de Danos (RD), que deveria ser um princípio orientador de políticas públicas para defesa da vida e da dignidade. O que vemos na prática é uma guerra contra pessoas, em sua maioria pobres e negras.

A construção do muro, longe de atender às necessidades urgentes da população local, parece ter como objetivo futuro um empreendimento privado, ignorando completamente a realidade das pessoas que vivem e circulam na região. Enquanto isso, o terreno cercado permanece vazio, mas sua existência reforça a lógica de exclusão e invisibilização, dificultando o trabalho das equipes de saúde, assistência e também de coletivos e organizações da sociedade civil que atuam na região, como o Centro de Convivência É de Lei, que são impedidos de oferecer suporte efetivo no local.

Mais do que uma barreira física, o muro simboliza uma política fracassada e desumana que não enfrenta as causas estruturais dos problemas, mas se limita a espalhar o sofrimento para outros cantos da cidade. É urgente substituir essa abordagem repressiva por políticas públicas verdadeiramente efetivas, que garantam saúde, dignidade e acesso a direitos fundamentais, em conformidade com as propostas das comunidades afetadas e com recomendações internacionais, como as Regras de Bangkok da ONU.

Inclusive, a redução de riscos e danos já integra a Lei de Drogas (nº 11.343/2006), os princípios postos no artigo 22 destacam a necessidade de medidas que deem atenção e ofereçam oportunidades de reinserção social do usuário e do dependente de drogas e respectivos familiares. A RD também é indicada na Portaria nº 3.088/2011 do Ministério da Saúde como uma das diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e na Portaria nº 2.197/2004 como uma estratégia para o êxito das ações desenvolvidas nos dispositivos da atenção básica e outras unidades especializadas em álcool e outras drogas. Além da Portaria de Consolidação nº 5/2017, que estabelece as diretrizes para ações de Redução de Danos no Brasil, consolidando as normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Redução de Danos pode e deve ser um fundamento das políticas públicas em territórios afetados pela guerra às drogas, porque quando aprofundada em sua perspectiva libertadora e humanizadora, é também uma luta pelos Direitos Humanos, propondo uma abordagem que respeite a vida e a dignidade de quem mais sofre com as desigualdades estruturais.