Overdose de proibicionismo: como uma política antiproibicionista pode salvar vidas
O dia 31 de agosto é marcado como Dia Internacional de Conscientização sobre a Overdose. A campanha, que existe desde 2001, tem como principais objetivos aumentar a conscientização sobre a overdose e estimular a ação e a discussão sobre prevenção, com base em evidências.
Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas – 2021 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), cerca de 275 milhões de pessoas usaram drogas no último ano, enquanto 36 milhões sofreram algum transtorno decorrente do uso.
Isso nos mostra que, apesar das políticas de drogas pautadas no proibicionismo adotadas por inúmeros países, as pessoas usam substâncias psicoativas e continuarão usando. De acordo com o mesmo relatório, as projeções apontam que esse número será 11% maior em 2030.
O contexto brasileiro
O uso de qualquer droga (prescrita ou não) pode ser inseguro. A overdose pode acontecer com qualquer pessoa e ser relacionada a diversas substâncias, inclusive as lícitas. Assim como observado em todo o mundo, segundo o relatório, o uso não-médico de medicamentos farmacêuticos tem aumentado de maneira preocupante no Brasil. Os opióides são responsáveis pela maior carga de doenças atribuídas ao uso de drogas.
Esse dado, apontado pelo estudo global da ONU, já foi trazido em 2019 por uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz sobre uso de drogas no contexto brasileiro, e que foi censurada pelo então ministro da cidadania Osmar Terra.
Ainda, mesmo as substâncias produzidas pela indústria farmacêutica, que estão submetidas a uma série de controles, frequentemente são desviadas e utilizadas como adulterantes no comércio ilegal. Por exemplo, o fentanil e o carfentanil são comumente encontrados em amostras de heroína apreendida e são responsáveis por boa parte dos casos de overdose, uma vez que são opióides muito mais potentes e que acabam sendo consumidos sem que o usuário saiba que está usando.
Ou seja, as estratégias de controle do proibicionismo não são apenas ineficazes, mas também contraproducentes. Tornar o mercado de drogas ilegal não fez com que ele deixe de existir. No entanto, constituiu-se como um mercado não regulado e sem qualquer fiscalização sanitária de controle de qualidade, submetendo as pessoas usuárias a riscos ainda maiores.
O número de mortes por overdose de opióides tem se tornado um grave problema de saúde pública em diversos países do norte global. No Brasil, a prevalência de uso de opioides é baixa. Os casos de overdose geralmente estão mais associados a substâncias estimulantes e ocorrem em menor escala.
Para nós do Centro de Convivência É de Lei, que trabalhamos sob a ótica da redução de danos, ter dados sérios e confiáveis disponíveis, assim como produzir conteúdos relacionados a estratégias de redução de riscos à saúde (por exemplo, prevenção da overdose) são o único caminho eficaz para lidar com o fenômeno das drogas.
Overdose de proibicionismo
O relatório global de 2021 também trouxe reflexões sobre os impactos sociais da pandemia no uso de drogas. Segundo o estudo, o aumento na desigualdade, pobreza e condições de saúde mental, especialmente entre as populações já vulnerabilizadas – representam fatores que podem levar mais pessoas ao uso de drogas.
Num contexto proibicionista, o aumento do uso de drogas ilícitas requer um aumento do comércio ilegal. O relatório também trouxe o dado de que aproximadamente um terço de todas as transações provenientes do mercado irregular online entre 2011 e 2020 partiram das Américas, tendo o Brasil em terceiro lugar entre os países que mais exportaram drogas.
Essas relações têm impacto direto nas quase um milhão de pessoas presas no Brasil, assim como nas cada vez mais recorrentes mortes por violência policial no país. Ao levarmos em conta essa realidade, em que não só a pandemia, mas a política de drogas tem matado muito mais do que a overdose, propomos um olhar atento para a “overdose de proibicionismo” presente no país e seguimos trabalhando por uma política, sobretudo, antiproibicionista e no acesso a informações seguras para garantia da saúde e da vida.