Mulheres, igualdade de gênero e COVID-19

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Esta é uma tradução com adaptações para o contexto brasileiro do capítulo I do Guia Prático sobre Respostas Inclusivas e Focadas em Direitos à COVID-19 nas Américas publicado pela Organização dos Estados Americanos  (OEA).
Tradução por Janaina Rubio Gonçalves

 

Mulheres, igualdade de gênero e COVID-19

Mais uma vez, a marca do feminismo: interpretar sob uma ótica política o que aparece como cotidiano. (Agora feminismo, Amelia Valcárcel)

Em termos gerais, há um reconhecimento global da importância de incorporar a igualdade de gênero nas respostas às emergências, desastres e qualquer outro tipo de crise. O Marco de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres 2015-2030 estabelece, claramente, a consideração da igualdade de gênero na redução de riscos de desastres, preparação para situações de emergências e ações de ajuda humanitária.

A implementação efetiva das recomendações das autoridades de saúde em todo o mundo sobre a pandemia do COVID-19 será a chave do sucesso para conter essa crise. No entanto, a participação e liderança das mulheres é essencial para a implementação eficaz dessas recomendações.

 

  1. A SITUAÇÃO DAS MULHERES NAS AMÉRICAS E COVID-19

A experiência de outras epidemias como SARS, ebola ou sarampo confirma que há impactos distintos entre homens e mulheres em qualquer crise, incluindo na saúde, não apenas biológica, mas também social, econômica e política. Embora em termos biológicos, dados preliminares indiquem uma menor taxa de mortalidade em mulheres do que em homens, as mulheres enfrentam um risco maior de infecção tanto associado ao seu papel nos centros de serviços de saúde quanto ao seu emprego na economia informal e demais serviços. Além do risco de infecção, as mulheres também enfrentam o ônus desproporcional do trabalho não remunerado, incluindo cuidar da família, bem como sua maior vulnerabilidade à crise econômica e ajustes como consequência dessa crise.

Os países das Américas estão adotando políticas e medidas específicas alinhadas às recomendações gerais de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), que incluem medidas essenciais como, entre outras, distanciamento ou isolamento social, fechamento de escolas, a redução ou eliminação de qualquer atividade em espaços públicos, o encerramento de atividades não essenciais e até a quarentena. Embora essas medidas sejam necessárias para reduzir o impacto e a propagação da pandemia, elas dependem amplamente da contribuição diferenciada das mulheres para manter e sustentar o tecido social e familiar. Se nenhuma outra medida for tomada para mitigar seu impacto, as medidas atuais aprofundarão as desigualdades de todos os tipos e minarão a independência das mulheres.

Nos momentos em que as empresas fecham, onde o serviço doméstico é dispensado e as pequenas e médias empresas demitem funcionários devido à incapacidade de manter os custos operacionais, as mulheres são novamente a população mais afetada, já que seus empregos são, muitas vezes, precários, temporários e em grande parte sem seguridade social. Embora os homens também sejam afetados nesse sentido, no caso das mulheres, a perda de autonomia econômica está diretamente relacionada a uma maior vulnerabilidade a situações de dependência, violência, discriminação e exclusão em múltiplos níveis, por razões de gênero. Nesse sentido, os Estados devem promover políticas e programas para minimizar o impacto econômico das mulheres na informalidade e aquelas em situação de precariedade econômica devido à pandemia.

Segundo as Nações Unidas, 87.000 mulheres foram assassinadas intencionalmente em 2017 em todo o mundo e, desse número, mais de 50.000 foram assassinadas por seus parceiros, ex-parceiros ou um membro de sua família.  Por sua vez, a OMS observa que 30% das mulheres de todo o continente americano sofreram violência física ou sexual por parte de seus parceiros e 38% das mulheres são mortas por seus parceiros ou ex-parceiros. A convivência prolongada exacerba situações de violência, especialmente em combinação com estresse e medo da perda de renda ou situações econômicas adversas, e o lar pode se tornar o lugar mais inseguro quando mulheres e crianças estão confinadas junto com seus agressores.

 

  1. RECOMENDAÇÕES PARA UMA RESPOSTA DE EMERGÊNCIA COM FOCO EM GÊNERO

É essencial que o distanciamento e o isolamento, como medidas públicas, considerem a conciliação da família e do trabalho para aquelas pessoas que devem continuar atendendo às suas responsabilidades profissionais, particularmente no caso de lares monoparentais, e à luz do fechamento de berçários e centros educacionais. É importante promover políticas de corresponsabilidade e distribuição equitativa do trabalho doméstico e de assistência, para que as mulheres possam continuar participando de suas atividades produtivas, mesmo com o aumento do trabalho doméstico devido à pandemia.

Da mesma forma, durante o isolamento e a quarentena, é necessária a incorporação de medidas alternativas para a prevenção, cuidados e assistência às vítimas de diversas manifestações de violência de gênero em ambientes domésticos, incluindo serviços adaptados para mulheres com deficiência (especialmente surdas e cegas) e abrigos para essas mulheres e seus filhos em risco ou sem moradia, bem como medidas específicas para mulheres refugiadas e vítimas de tráfico.

Também é essencial que as medidas de combate ao COVID-19 considerem aqueles que estão na linha de frente do cuidado e atendam e tornem visíveis suas necessidades particulares. Segundo um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na América Latina e Caribe, metade dos médicos e mais de 80% da equipe de enfermagem são mulheres, sendo a maior porcentagem do mundo. Como uma extensão dos papéis de gênero, a enfermagem, geriatria e os serviços de assistência a pessoas dependentes são feminizados. No entanto, os homens tendem a ocupar os mais altos cargos na tomada de decisões: em 2015, globalmente, apenas 27% dos Ministérios da Saúde eram chefiados por mulheres e, em nossa região, atualmente apenas 8 Ministérios da Saúde contam com Ministras mulheres.

Apesar de seu papel como chefes de famílias e comunidades e de sua capacidade de identificar e alertar tendências preocupantes de saúde, as mulheres não participam de posições de liderança ou de tomada de decisão relacionadas à preparação, resposta, recuperação ou mitigação das crises. Existem evidências em várias áreas em que a paridade na tomada de decisões resultou em maior pluralidade no tratamento de problemas e melhores propostas para encontrar soluções. A participação das mulheres, sua liderança e a amplitude de suas perspectivas mostram que não existe políticas de gênero neutras e que a perspectiva, as necessidades e interesses específicos de metade da população devem ter sua própria voz, o que é ainda mais fundamental na gestão desta crise. Nesse sentido, é essencial considerar os Mecanismos Nacionais para o Progresso da Mulher e as respectivas autoridades femininas nos países, bem como especialistas em questões de gênero nos processos de tomada de decisão diante dessa situação de pandemia e outros efeitos relacionados.

É essencial que as vozes das mulheres, principalmente as mulheres sem voz, estejam presentes e sejam ouvidas nas mesas de tomada de decisão sobre a resposta imediata e de longo prazo ao COVID-19, principalmente em relação à sua autonomia física e econômica. Essa crise apresentará enormes desafios para as mulheres e seus filhos e reforçará a divisão social do trabalho que continua a perpetuar a desigualdade de gênero. Mas essa crise também pode ser um momento de transformação e uma oportunidade de desafiar as dinâmicas políticas, econômicas e sociais tradicionais, reconhecendo a experiência e o conhecimento das mulheres na proteção da saúde das famílias e comunidades e acrescentando a perspectiva feminina e suas contribuições em uma conjuntura sem precedentes que exige liderança inclusiva e igualitária em todos os níveis.

 

MATERIAIS RECOMENDADOS:

01 Coronavirus: Una pandemia mundial que afecta diferenciadamente a las mujeres. Disponível em: https://dialogocim.wordpress.com/2020/03/18/coronavirus-una-pandemia-mundial-que-afecta-diferenciadamente-a-lasmujeres/  

02 ONU Mujeres. Lista de verificación para la respuesta al COVID-19 Disponível em: https://www.unwomen.org/es/news/stories/2020/3/news-checklist-for-covid-19-response-by-dedregner 

03 The Atlantic. The Coronavirus is a Disaster for Feminism (March 19th 2020) Disponível em: https://www.theatlantic.com/international/archive/2020/03/feminism-womens-rights-coronavirus-covid19/608302/ 

04 The Lancet. “COVID-19: the gendered impacts of the outbreak.” Vol. 395, #10227, (March 14th 2020) Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30526-2/fulltext 

05 UNISDR. Marco de Sendai para la Reducción del Riesgo de Desastres 2015-2030 Disponível em: https://www.unisdr.org/files/43291_spanishsendaiframeworkfordisasterri.pdf