Lançamento – Cartografias do acesso à água: Por banheiros, lavanderias e pias públicas para a população de São Paulo”
Segundo o mapeamento, para cada banheiro público disponível no centro da cidade, existem pelo menos 513 pessoas em situação de rua
A pesquisa “Cartografias do acesso à Água”, organizada pelo Centro de Convivência É de Lei, será lançada na próxima quarta-feira, 28, às 19h, em live no Facebook da instituição. Realizada em parceria com o Fórum Aberto Mundaréu da Luz e o Coletivo Paulestinos, a pesquisa apresenta um levantamento dos banheiros, lavanderias e pias públicas em atividade no centro da cidade de São Paulo.
O mapeamento faz parte das ações de proteção e cuidado à população em situação de rua no contexto da pandemia, que inclui a elaboração de materiais com orientações específicas de prevenção e localização de serviços de assistência. Esse material em específico será distribuído em ação de redução de danos na região da Cracolândia no dia seguinte ao evento de lançamento, 29 de julho.
COVID-19 e população em situação de rua
As recomendações de prevenção à COVID-19 têm sido, principalmente: ficar em casa, lavar as mãos e usar máscaras. Todas essas ações, aparentemente simples, são verdadeiros desafios para quem está em situação de rua.Embora as vulnerabilidades tenham sido ampliadas pela emergência sanitária, as políticas para assistência e proteção a essa população não foram suficientes. Os mapas apresentados na pesquisa expõem essa realidade a partir da perspectiva do acesso à água.
A implementação de pontos de acesso à água potável e banheiros públicos são demandas históricas dos movimentos que representam a população em situação de rua. Mesmo antes da pandemia, essa população sofre com a escassez de acesso à água. Há décadas,que essa população é ignorada pelas políticas públicas, sofrendo com péssimas condições de higiene e desidratação e. As últimas gestões municipais, sem exceções, não realizaram esforços efetivos para implementar políticas que garantam essas condições básicas a qualquer ser humano.
Somente após o início da pandemia, verificamos um programa voltado a esse objetivo. Em abril de 2020, a prefeitura de São Paulo lançou a “Ação Vidas no Centro”, que previa a implementação de sete espaços destinados a garantir “condições básicas para realizar higiene pessoal aos cidadãos em situação de vulnerabilidade social na região central da cidade”. Entretanto, apenas cinco desses espaços estão em funcionamento e todos eles são de caráter emergencial e provisório.
Embora sejam espaços importantes e necessários, estão longe de ser suficientes. Segundo Paula, moradora da região da Luz entrevistada pela equipe do Centro de Convivência É de Lei, “pra ir no banheiro, a gente vai em outros projetos… às vezes atrás do carro mesmo, porque não tem um lugar pra usar o banheiro.”
O Censo da população em situação de rua, realizado em 2019 pela Prefeitura de São Paulo, aponta que 24.344 pessoas vivem em situação de rua na cidade. A grande maioria dessas pessoas está na região central de São Paulo. Somando os distritos da Santa Cecília, República e Sé, são 10.258 pessoas consideradas em situação de rua, quase metade da população total divulgada. Esses números podem ser ainda maiores: o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), estima que são mais de 30 mil pessoas vivendo nas ruas da cidade.
Se já há subnotificação da quantidade de pessoas vivendo em situação de rua, é impossível saber ao certo quantas dessas pessoas morreram no último ano por conta de COVID-19. Não existem dados precisos acerca do número de hospitalizações e óbitos, uma faceta perversa da invisibilização histórica de quem vive nas ruas.
Ainda, tanto o relatório, quanto os banheiros mapeados pela cartografia do Acesso à Água apontam para a insuficiência dos banheiros disponíveis. Além dos cinco espaços implementados pela prefeitura, mapeamos a existência de apenas mais 15 banheiros. Se considerarmos a soma desses números (ou seja vinte banheiros) apenas pela população em situação de rua na região central, verificamos que, para cada banheiro público existente, há pelo menos 513 pessoas. Se o cálculo for para toda a população que vive nesses distritos, seriam mais de 8 mil para cada banheiro. Um número inaceitável, mas que é ainda pior, pois não leva em conta as barreiras físicas e simbólicas para acessar boa parte dos banheiros mapeados: parte significativa deles está em locais onde existe algum nível de vigilância e controle, que impedem o livre acesso de todos, todas e todes.
Na contramão disso, a sociedade civil tem se organizado. Em mais de um ano de pandemia, já foram realizadas diversas ações na região do centro de São Paulo, como o “mapa das bocas de rango”, produzido para orientar onde a população poderia encontrar alimentos em um contexto de escassez, ampliado pela pandemia, distribuição de kits de redução de danos, kits de higiene com máscaras, sabonete e álcool gel, distribuição de marmitas e cestas básicas.
Entretanto, as ações da sociedade civil, embora importantes, não são suficientes para suprir as lacunas existentes. Se faz necessária uma política ampliada de assistência social, vinculada a políticas de moradia, saúde e cultura. Uma rede de banheiros e lavanderias públicas é fundamental para garantir o acesso à água e também o direito (de fato) à cidade. Uma política assim beneficiará não apenas quem está em situação de rua, mas toda a população da cidade de São Paulo que em algum momento necessite de um desses serviços, seja em uma emergência ou de forma regular.