Com os trabalhadores dos serviços ameaçados por seus gestores, usuárias/os contestam demissões e assumem protagonismo da luta por dignidade em seus tratamentosO É de Lei participou, no último dia 15 de julho, da organização de uma manifestação política em frente ao Complexo Prates, em conjunto com os usuários dos equipamentos do local e com o apoio de entidades e movimentos sociais ligados à saúde e aos direitos humanos. O ato, que tinha como reivindicações centrais a gestão pública dos serviços de saúde e de assistência, o repúdio às recentes demissões de duas trabalhadoras do CAPS do Complexo e a autonomia e o protagonismo das/os usuárias/os dos equipamentos, se insere num processo de discussão e mobilização iniciado há meses.
PARALISAÇÃO
As profissionais demitidas são referências muito estimadas pelas/os usuárias/os do Complexo Prates, muito por que, como dizem elas/es mesmas/os, desempenharam seus papeis de maneira comprometida com o suporte necessário à construção da autonomia e da reorganização de vida de cada uma/um. Nesse sentido, a indignação das pessoas aderentes ao serviço com o corte de duas trabalhadoras, incansáveis na busca por um trabalho de qualidade e que estivesse à altura dos princípios que inspiraram historicamente a estruturação da saúde pública e da assistência social, somada à ausência absoluta de respostas ou prestação de contas por parte da gestão das Irmãs Hospitaleiras, foi determinante para a decisão coletiva das/os usuárias/os de promoverem uma paralisação das atividades e oficinas rotineiras do CAPS, dois dias depois da notícia das demissões. Por mais de quinze dias, as salas que abrigam a programação de grupos e oficinas no CAPS ficaram esvaziadas. O sentimento de repúdio e desconfiança tomou conta do ambiente do Complexo. Por mais que as/os próprias/os usuárias/os tenham decidido o boicote ao serviço e, em consequência disso, tenham colocado em risco a sua própria saúde e o seguimento de seus tratamentos, houve um nível alto de participação das pessoas na roda de conversa realizada com o apoio do É de Lei, no dia 12 de julho. Realizada no ambiente externo do Complexo, a atividade discutiu o desafio primordial dos direitos humanos das/os usuárias/os e a luta permanente para garanti-los. A demanda por um serviço de qualidade, que ofereça um tratamento contínuo, cuidadoso e humanizado, que valorize a voz tanto de trabalhadores como usuárias/o só poderá ser atendida por meio da organização das pessoas que constroem cotidianamente esse ambiente – tendo sido esta, provavelmente, a maior das reflexões na roda de conversa que antecedeu a realização do ato.
OUTROS DESDOBRAMENTOS
A mobilização das/dos atendidas/os no CAPS do Complexo Prates não se limitou à roda de conversa e à manifestação mencionadas: dois usuários compareceram à reunião ordinária do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) para depor sobre as condições reclamadas dos equipamentos e o episódio das demissões. Estava presente um representante do Ministério Público, que está em processo de investigação do caso e ouviu os relatos. Uma nova reunião com o Secretário Municipal de Saúde também foi realizada após o ato, demonstrando a força da articulação entre as/os usuárias/os, e entre elas/es e as entidades e movimentos sociais solidários à causa. Ainda não há, por parte do poder público ou da OS que gerencia os equipamentos da saúde do Complexo, resoluções mais claras para o problema, com os desdobramentos e o desfecho desse processo a ainda a serem observados. Uma coisa, no entanto, é certa: ao mobilizarem-se, as/os usuárias/os já fazem, na prática, o exercício do protagonismo e da participação social inscritos na história da luta pela saúde pública e pela assistência, sem precisarem ter lido as leis do SUS e da SUAS. Resta saber se os gestores privados do Complexo refrescaram suas memórias a respeito desses princípios que baseiam o seu sentido de existência como organizações sociais.