Redução de danos para jovens em conflito com a lei

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Lançamento de livro do É de Lei relata experiência do projeto De Rolê

Por Gabriela Moncau

O lançamento do mais novo livro do É de Lei foi dia 13 de novembro e, mesmo acontecendo (infelizmente, mas não teve jeito) na mesma data de um dos atos Fora Cunha, reuniu pessoas no auditório da Matilha Cultural para debater a relação entre juventude em conflito com a lei, cultura, drogas e redução de danos.

O livro Cultura, juventudes e redução de danos reúne diferentes artigos acerca da prática dos redutores do É de Lei no trabalho de campo, no espaço da convivência, nas oficinas de cultura e nas ações desenvolvidas em um projeto selecionado pelo Edital Viva Jovem que permitiu que o É de Lei ampliasse seu trabalho para um público com quem não atuava até então: jovens cumprindo medida socioeducativa em liberdade assistida. Com o nome “De rolê – as mil fitas de uma juventude inconformada com a lei”, o projeto piloto aconteceu durante 6 meses do ano passado com oficinas semanais de duas horas em dois núcleos de medida socioeducativa indicados pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social: os da Bela Vista e da Santa Cecília.

                

O que esses jovens precisam? Quais os riscos e danos relacionados ao uso de drogas na juventude? A partir de algumas dessas perguntas, Isabela Umbuzeiro, coordenadora do Núcleo de Cultura do É de Lei que participou do projeto, compartilhou em roda de conversa durante o evento algumas das impressões que ficaram da experiência com os jovens.

Quais os principais danos a serem reduzidos?

“Poucos dos jovens que a gente conheceu cometeram uma infração especificamente para consumir alguma droga. Grande parte deles fazia uso de substâncias lícitas e ilícitas – principalmente álcool, maconha e cocaína, e também inalantes em contexto de festas – mas a maioria não parecia ter relação problemática com esse uso a não ser de forma pontual ou em contextos específicos. Grande parte dos jovens infracionavam para consumir produtos de marca, como bonés ou tênis”, observou Isabela. “Um dos grandes estimuladores de internação [na Fundação Casa] é a mizuno, eles deveriam pagar uma cota de indenização para a sociedade brasileira”, ironizou o educador social Pedro Brandão, a respeito de uma caríssima marca japonesa de tênis, que traz status na quebrada.

Para Isabela, os maiores riscos e danos que foram possíveis de perceber na relação entre as drogas e os jovens atendidos no projeto (maioria de negros e pardos) está associado com a guerra às drogas. “Um dos jeitos mais viáveis daquele jovem conseguir pertencimento e renda é trabalhando no tráfico. O proibicionismo, então, traz a ele os riscos e danos como o de se envolver no universo do crime ou morrer na mão da polícia”.

A marca da Fundação Casa

“Nas oficinas a diferença entre os jovens que já tinham passado por uma internação na Fundação Casa e os que não tinham era marcante”, salientou a socióloga Nathália Oliveira, também integrante do É de Lei e do projeto De Rolê. “O menino que já tinha passado pela Fundação Casa muitas vezes era dos que menos falavam ou que tinha uma postura mais agressiva. A internação produz um campo de pertencimento desse jovem cada vez mais identificado com a própria lógica das facções criminosas que essa medida diz combater”, aponta.

“O que falta muito é um investimento de política pública muito mais maciço. O que fomos buscando, então, não foi conversar com os jovens para proibir que eles façam uso de drogas, mas criar um espaço fértil para que se possa pensar as relações sociais e culturais que envolvem compreensões de si, do outro e do comum. Construir junto um espaço que trabalhe a partir da coletividade o cuidado de si, ampliando as possibilidades de escolha dos participantes”, sintetizou Isabela. Com rodas de conversa, algumas saídas na rua (como visita a Bienal), atividades com mapas, desenhos, sprays e referências artístico-culturais, foram abordados de forma transversal temas como capitalismo, drogas e consumo, história das drogas e da proibição, educação em direitos, pertencimento à cidade, juventude, classe, gênero, raça e autocuidado.

“As paredes gritavam”

Em todas as oficinas um papel kraft ficava pendurado na parede, com sprays de tinta para que cada um escrevesse o que quisesse. “Em geral os primeiros símbolos que surgiam eram o do ying yang, o 157 [artigo do código penal para assalto a mão armada] e o 15.33 [número no alfabeto das letras que formam PCC]”, conta Pedro Brandão, para quem a metodologia tem a ver com uma reflexão freiriana de trabalhar com marcas como um elemento gerador. “Vários que pixavam157 nem tinham sido enquadrados por esse artigo. Mas era por status: quem faz assalto a banco, por exemplo, é considerado na quebrada. O ambiente desses jovens entre eles é muito violento, as exigências de um com o outro. Muitos se afirmavam enquanto sujeitos violentos porque passaram por um processo violento na vida deles. Então as marcas na parede gritavam”.

“A gente tem direitos mas eles não são reconhecidos”

De acordo com o que surgia nas oficinas, cada grupo produziu um trabalho final. Na Bela Vista, os jovens fizeram uma intervenção artística em um muro no centro da cidade, com frases e stencils de fotos suas. Na Santa Cecília, a ideia foi fazer um vídeo, em que os meninos e os oficineiros foram entrevistados. O curta-metragem foi exibido evento na Matilha e, a pedido dos jovens, não será divulgado na internet.

“A gente tem direitos mas muitas vezes nosso direitos não são reconhecidos”, falava um dos jovens filmados. “Pra mim liberdade assistida é uma punição pelo ato que você fez. É uma coisa que a maioria das vezes te impede de fazer as coisas que você gosta. Mas até das coisas ruins a gente pode tirar coisas boas, de aprendizado”, disse outro. Questionados sobre se sentirem livres, todos responderam que não: “A gente tem livre arbítrio entre aspas, porque tem que seguir a lei deles”. “E a primeira passagem é tipo um imã. Fica sempre a insegurança de você ser forjado, alguma coisa te acontecer e você voltar para a Fundação Casa”, explica um dos jovens. O nome do vídeo foi também ideia dos meninos. “Quase livres”.