É de Lei recomenda: Redução de Danos no contexto de festas e lazer
por Maria Clara Gaiotto e Matheus Ramos
A Redução de Danos é uma ideia que se faz presente através de práticas diárias em diversos contextos. Entre esses muitos, o contexto de festas e lazer é um deles. É importante ressaltar que o uso de substâncias – lícitas ou ilícitas – ocorre dentro de todas as sociedades nos mais diferentes ambientes, muitas vezes representando até mesmo o signo de um “ritual”, como por exemplo, beber o vinho como representação do sangue de Cristo nas celebrações da igreja católica. Isso também ocorre em nosso cenário com o consumo de álcool nas celebrações do carnaval, natal, ano novo, etc.
Esse uso social de drogas, uma vez que se torna normalizado, passa a fazer parte dessas situações de forma inconsciente e natural, podendo causar por isso, a falta de diálogo, de troca de informações e até levar ao abuso dessas substâncias. Diante disso, se faz importante uma educação e socialização das informações sobre as drogas em todos os contextos e para todas as pessoas.
No meio universitário é muito expressivo o uso de álcool durantes as integrações, festas ou encontros e reuniões casuais. Esse uso normalizado tornou-se de alguma forma uma ponte para a inclusão, devido a isso, muitas pessoas ao chegarem nesse ambiente adentram nesse “status quo” e sentem-se pressionadas a beber mesmo não estando preparadas ou não tendo vontade de fazê-lo. Além dessa problemática, a naturalização desse tipo de uso barra nossa (auto)percepção bio-psico-social ou, contexto, pessoa, substância. Isso significa dizer que a análise de como estamos nos sentindo fisicamente, mentalmente, dentro de nosso círculo social e em relação ao nosso gosto particular pela substância, não é um hábito e gera diversas vezes uma alienação do nosso uso. Esse mesmo processo, normatiza comportamentos nocivos que muitas vezes tentam ser justificar através da droga ou de seu efeito, como o racismo recreativo, agressividade masculina, assédios sexuais e morais.
Também existe há algum tempo no cenário nacional e internacional, um forte movimento de festivais de música de diferentes gêneros que vai do rock and roll, brasilidades, eletrônica e muitos outros. Esses espaços são criados para compartilhar experiências musicais, sensoriais, de vida e também de substâncias. Os participantes dessas festas, além do interesse pela música, procuram por espaços que os tirem de suas vidas cotidianas, esses cenários podem entrar em confronto com o que esses indivíduos vivem no dia-a-dia, podendo causar muitas vezes a sensação de intervalo na vida. A cena eletrônica produz um universo que faz diversos frequentadores repensarem seus diferentes comportamentos, ideologias e práticas nesses espaços. Em muitos desses momentos, esse universo novo a ser descoberto tem afinidade também com o uso de substâncias com fins recreativos e de uma busca de expansão de consciência.
É neste tipo de festa que a Redução de Danos está mais presente atualmente. Diferente de outros contextos, o maior risco do uso de drogas neste, não se dá na compulsão ou por conta da vulnerabilidade social, visto que a maior parte dos frequentadores tem grande ou média condição financeira. A problemática maior está na possibilidade de se expor a um conjunto de situações novas e desconhecidas como: a falta de informação à respeito da substância e de sua forma de uso, desidratação, grande exposição ao sol, privação de sono, descuido com a alimentação, etc. Essa conjuntura que pode ser considerada como um comportamento de risco, pode ocasionar dificuldades físicas como a fadiga, uso abusivo e até mesmo crises emocionais.
A partir do advento dos festivais e seus acontecimentos, projetos começaram a estruturar práticas de bem estar e saúde nesses espaços. É necessário que para isso os redutores de danos passem por treinamentos e capacitações específicas que atendam às necessidades desse cenário. Se faz importante o conhecimento a respeito da história das drogas, política de drogas, redução de riscos e danos, cuidado em contextos de festas, primeiros socorros, escuta ativa, dentre outros.
As atuações são em conjunto com um posto médico, precisam de um ambiente de trabalho em um local calmo e de fácil acesso a todos os participantes do evento. Nesse espaço é possível retirar insumos, afim de reduzir os riscos e danos do uso das substâncias como: informativos sobre diferentes drogas, sobre as ISTs/AIDS e a prevenção combinada, dados sobre a violência de gênero, camisinhas internas e externas, dentre outros. É importante também a distribuição de água e se possível, alimentos leves para os trabalhadores e o público. Além disso, a ideia de “infostand” propõe um espaço aberto para o compartilhamento e a reflexão de informações entre os redutores e todos os frequentadores do local, possibilitando assim a prevenção dos usos que possam representar um maior risco aos sujeitos. Esse espaço também é de acolhimento em muitos sentidos, para diálogo e auxílio às pessoas que estão passando por situações desagradáveis combinadas ao uso de drogas, lembrando que essas experiências não necessariamente são “ruins” ou “traumatizantes”, podem ser apenas experiências difíceis de se lidar sozinho. O acolhimento deve ser um espaço confortável para todos, aberto para quem desejar, seja público ou trabalhadores, e livre de julgamentos ou quaisquer tipos de preconceitos.
É importante destacar que os organizadores dos eventos possuem papel fundamental para a promoção da redução de danos, não só com os participantes pagantes, mas também com os trabalhadores das diferentes frentes de trabalho, desde os redutores de danos aos profissionais da limpeza. Dar acolhimento básico para esses indivíduos, alimentação saudável e atenta, espaço e tempo de descanso apropriado, também é uma prática de redução de danos. No mais, o posicionamento da festa em relação a esses cuidados, deve ser coeso e responsável, discutido e acordado com toda a equipe responsável pelo evento e explicitado para o público que frequentará.