PPP Campos Elíseos afeta cerca de 800 moradores

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A Lei 18.176, de 25 de julho de 2024, autoriza que o governo do Estado de São Paulo passe a administrar mais de 33.000 m2 de áreas do centro da cidade, delimitadas pelas avenidas Duque de Caxias e Rio Branco, pelas ruas Helvétia e Guaianases, pelas Alamedas Glete, Dino Bueno e Barão de Piracicaba e pelo Largo Coração de Jesus. Este projeto será implementado a partir de uma Parceria Público-Privada denominada “PPP Campos Elíseos”. 

A proposta é que este território contenha a nova sede do governo estadual, abarcando o gabinete do governador e outros órgãos, como as secretarias. Estima-se que ao menos 22 mil servidores públicos passarão a atuar neste novo complexo e que mais de 200 imóveis residenciais, ocupados por cerca de 800 pessoas – algumas morando em regiões encortiçadas -, serão desapropriados. Ainda, prevê o deslocamento do Terminal Princesa Isabel – que opera 18 linhas de ônibus, conectando o centro às periferias – e do Museu das Favelas para endereços ainda incertos. 

No que tange ao destino das pessoas moradoras dos imóveis que serão desapropriados pela obra, há uma única e vaga menção no edital do concurso público nacional de arquitetura: 

“(…) a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, por meio dos seus programas e ações previstos para a área central, poderá priorizar projetos, públicos e privados, para o entorno do Centro Administrativo. Tais programas e ações compreendem atuação direta da SDUH ou mediante fomento à oferta pelo setor privado. Verifica-se ainda a viabilidade da construção de HIS e HMP no entorno imediato do Centro Administrativo, sendo as primeiras para atender ao reassentamento digno dos atuais moradores mais carentes” (p.74, grifos nossos). 

Longe de apontar uma solução, e com caminhos opacos que indicam possibilidades, viabilidades a serem verificadas e, ainda, o atravessamento do setor privado, percebemos que este projeto, que, declaradamente, contém em seu escopo, a “requalificação e revitalização do Centro de São Paulo”, tem propósitos nítidos, servindo à gentrificação e ao branqueamento do território, ao apagamento de sua história e de sua memória, bem como à expulsão da população em situação de vulnerabilidade para outros territórios. Estes propósitos se mostram, ainda, no fato de que 27 dos 54 órgãos estaduais localizados na cidade de São Paulo já estão no centro da cidade; 21 destes, nos distritos da Sé e da República

A chamada Cracolândia fica principalmente nesse território que abrigará o novo complexo. O É de Lei, enquanto uma organização da sociedade civil que atua há quase 30 anos nessa região, sabe  que a resolução da “questão da Cracolândia” serve como vitrine para as agendas políticas do estado e do município. A PPP Campos Elíseos é mais uma dentre várias das quais a região central de São Paulo já foi alvo. 

Um exemplo é a PPP Habitacional Estadual, que coincidiu com a “Operação Sufoco” na cracolândia, em 2012. Outro exemplo é a PPP que desapropriou a quadra onde hoje se encontra o Hospital da Mulher (“novo Pérola Byington”), em 2018. Entre 2017 e 2018, o Fórum Mundaréu da Luz produziu propostas de transformação do território respeitando as pessoas, as histórias da região e o patrimônio histórico, sem que houvesse demolições ou remoções. Neste documento há um levantamento dos imóveis desocupados ou vazios, localizando mais de 150000m2 de área em que poderiam ocorrer construções, para habitações, sem operar demolições, ou, ainda, esta área poderia ser dividida em mais de 27000m2 para unidades não-habitacionais (nos térreos) e 122000m2 para unidades habitacionais. Soluções como esta são apresentadas, mas não são as que interessam aos governos municipal e estadual.

Além disso, parte das quadras visadas pela PPP Campos Elíseos configuram Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Em áreas como estas, segundo a legalidade do Plano Diretor do município, é preciso constituir um Conselho Gestor das ZEIS, antes da elaboração de qualquer projeto, garantindo a participação social nas decisões. Neste caso, as ZEIS 3 afetada pelo projeto não tem um conselho gestor formado. E a desconsideração da participação social também não é exclusiva desta PPP. 

Danee Amorim, agente de Redução de Danos do É de Lei e moradora do território, relata: “Historicamente, as desapropriações que ocorrem no território da cracolândia usam a concentração de usuários para poder desapropriar deliberadamente (…). É uma justificativa para ter desapropriação sem seguir um protocolo mais humanizado. Quanto ao deslocamento do governo para o território, já estão começando a ocorrer desapropriações. Têm sido distribuídas cartas de créditos pras pessoas, mas talvez bem poucas possam utilizá-las, porque a pessoa tem que ter uma renda específica e pode não se encaixar no crédito. Acho cruel não dar uma opção concreta para as pessoas, mas é isso que acontece. Já em outras partes do território, tipo a favela do Moinho, acontecem desapropriações sem nenhuma garantia, mesmo”. A favela do Moinho está a poucos metros do território-alvo da PPP Campos Elíseos.

Cleiton Ferreira, também agente de Redução de Danos do É de Lei e morador do território, diz: “Não é de hoje que essa gentrificação está sendo feita; isso acontece desde o plano Kassab, com a Operação Dor e Sofrimento, que aponta muito para esse lugar da Cracolândia (…). Esse projeto nasceu lá atrás, já vem nesse manejo de gentrificação da cidade, que é o Projeto Nova Luz, e depois ele cai, mas chega o governo Doria e vai dando ênfase a isso. (…) Os projetos foram quebrados, os equipamentos foram desvinculados. (…) E isso vai acontecendo por detrás dos bastidores. As PPPs vêm aumentando, mas a população de rua também está aumentando. (…) Onde eu morava, um hotel, que era o último hotel do Projeto de Braços Abertos, o hotel da Nova Luz, foi desativado em novembro. A prefeitura disse que ele estava insalubre, mas na verdade a gente sabe que não era sobre isso, era para tirar os moradores dali porque eles apontavam o hotel como um “hotel de uso”, hoteis que também criminalizam, dizendo que fortalecem o tráfico e outras coisas. Mas na verdade eram hoteis de uma galera pobre que não tinha casa, e que minimamente pagava pelos hoteis para ficar. No nosso caso, era um equipamento voltado para a saúde, tinha 25 moradores, e a grande maioria dessas pessoas está morando em situação de rua. (…) Eu fui para um equipamento como um hotel social que entrei no final de novembro e agora sou remanejado de novo e estou morando numa república. Mas pelo andar da cidade, tudo está se fechando, e a desculpa da prefeitura é que os lugares estão insalubres. Foram hoteis fechados pela vigilância sanitária, lacrados. E isso também é uma tomada de território. A população em si está sendo colocada aos montes na rua”

Estas Parcerias Público-Privadas que vêm ocorrendo no mesmo território são projetos fragmentados e contribuem para o apagamento da história e da memória das pessoas que habitam a região central da cidade de São Paulo. Este apagamento é parte do projeto político que marca este território e dificulta a construção de laços e de políticas realmente eficazes, que estejam de acordo com os direitos humanos e que considerem os sujeitos ali presentes e suas histórias. 

Referências

https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-18176-de-25-de-julho-de-2024 

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/04/09/veja-os-pros-e-contras-da-transferencia-da-sede-do-governo-de-sp-do-morumbi-para-o-centro.ghtml 

https://www.labcidade.fau.usp.br/nota-tecnica-ppp-sede-governo/ 

https://drive.google.com/drive/folders/1gjH7EvjFBD7Fs9_Z3XyA5WFWtx30qN20 

https://www.parcerias.sp.gov.br/Parcerias/Projetos/Detalhes/168 

https://mundareudaluz.wordpress.com/wp-content/uploads/2018/04/completo_caderno-plano-alternativo-luz-r09-2018-04-10_web1.pdf  

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/justica-cumpre-acao-de-reintegracao-de-posse-em-quadra-da-cracolandia.ghtml 

https://www.labcidade.fau.usp.br/falacias-ppp-campos-eliseos/