Coletamos diversos relatos sobre ação militarizada contra as pessoas que vivem na Cracolândia, que as conduziu ilegal e coercitivamente da Av. Rio Branco até a ponte Orestes Quércia, no sábado (08/07/2023).
Os relatos apontam que a Polícia Militar junto com a Polícia Civil e a GCM (IOPE) cercaram o fluxo (concentração de pessoas que define a Cracolâdia) que se localizava na Rua dos Gusmões com a Avenida Rio Branco. De surpresa chegaram e fecharam com força policial as três ruas, ninguém mais podia sair. Da Av. Rio Branco foram empurrados em direção à ponte Orestes Quércia (pela Rua Prates), caminho que tem 3,6 km. As polícias foram tocando as pessoas com bombas, tiros de bala de borracha, spray de pimenta, empurrões e cassetetes. As ruas laterais estavam previamente fechadas, sempre cercados não podiam sair e nem sabiam para onde estavam indo.
Tinham idosos, jovens, pessoas com deficiência, cadeirantes entre outras com dificuldades de locomoção. Só foi possível fazer esse deslocamento de 3,6km (caminho percorrido em anexo), no frio e à noite, por meio de muita violência física e verbal. Lembrando que esse tipo de ação demanda mandado judicial e deve ser procedida durante o dia com suporte intersetorial. Como foi feita a operação, há indícios de violações de direitos constitucionais que devem ser investigados pelo Ministério Público, além do abuso de autoridade.
Chegando na Marginal foram encurralados de baixo da ponte Orestes Quércia e ficaram ali por horas (houve inúmeros relatos denunciando de 4 à 8 horas de reclusão) em um espaço escuro e sujo. Muitos relatos narram que não havia acesso à água, comida ou banheiro. Também relataram medo de serem massacrados, sem serem vistos por ninguém: medo de jogarem bombas de cima da ponte, de começarem a atirar, entre outros pensamentos muito amedrontadores que nos foram relatados. Disseram que parecia um cemitério, um campo de concentração e um curral. As pessoas foram liberadas aos poucos, algumas não souberam o caminho para voltar para os lugares onde vivem e construíram suas redes, o que gerou ainda mais danos.
Além de ter violações de direitos humanos, a prática terrorista de conduzir pessoas sem afirmar seu destino como um sequestro, o que caracteriza tortura, novamente vemos uma política cara, desgastante e que não surtiu nenhum efeito positivo para a cidade ou para essa população vulnerável. Pelo contrário, mais uma operação com gasto de vultosas somas que são negadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) e que só criam mais tensão e mostram ineficiência do poder público. As pessoas que constituem ou frequentam a Cracolândia precisam ser ouvidas em primeiro lugar. Precisam de garantias de direitos básicos e o fim da violência policial.
Segundo o inciso III do artigo 5 da constituição: “III–ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”
Relatos que foram colhidos no fluxo da Cracolândia sobre esta operação:
“Fomos tratados com falta de respeito.”
“Eles trata nós como um bicho.”
“Não tinha opção, tinha que seguir o caminho que estavam empurrando se não apanhava.”
“Arrebentaram a cabeça do xxxxxx” (referência a cacetete).”
“Sem piedade, cuspiram em gente caída no chão.”
“Moro na Duque, não me deixaram voltar pra casa, tenho dificuldade de andar e me fizeram andar até o fim, tenho osteoporose, pq fazer caminhar até lá pra nada?”
“Foi podre. Eu uso aqui no fluxo pra não ficar fumando na rua, nas calçadas, não merecemos isso.”
“Deixaram a gente preso pelo menos 4 horas, e fui a primeira leva a ser liberada.”
“Jogaram spray de pimenta na minha boca duas vezes.”
“Me sentia no hitlerismo, sendo levada para a câmara de gás.”
“Eu me senti sequestrada, encarcerada e exposta. As pessoas ficavam olhando pra gente enquanto éramos levados. Me tiraram do meu lugar e me levaram para longe, de baixo de um viaduto à margem do rio tietê. Era uma noite fria e começou a chover. Foi uma tortura. Eu vi mulheres levando tiros de borracha pelas costas (- olha, ela por exemplo! Ao passar uma outra mulher durante a conversa na cracolândia). Ao invés de buscarem tratamento, de regularizarem um espaço de uso, esse é o estado que deveria nos proteger. Esse mesmo estado que permite com que a droga entre no meu país. E agora o que fazer? Pergunto eu para a sociedade”. Mulher Negra Livre (assim que ela quis assinar)
“Recebia muito gás de pimenta quem tentava se aproximar para saber mais informações ou pedir para ir ao banheiro.”
“Tinham animais juntos.”
“Em pé, cercados, com spray de pimenta pra respirar, parecia câmara de gás, eles não deixavam ir embora, parecia prisão.”
“Balas de borracha…e haviam adolescentes.”
“Chegaram e encurralaram, com bomba, fumaça, alguns conseguiram sair, averiguaram se tinham passagem.”
“‘vcs gostam de jogar pedra na polícia, né? saberão como é a tática'”.
“trabalhadores que passaram na hora também foram averiguados.”
“No início a operação aconteceu como de costume, mas com mais opressão que a de sempre.”
‘”Fizeram um corredor, quem chegava ali não podia mais sair, quem saiu foi fugindo. Ninguém sabia onde estava sendo levado. As operações estão sendo mais pesadas..”‘
“aconteceu com polícias enquadrando os usuários e os obrigando a ir em direção da Luz. Todas as ruas estavam fechadas, preparadas para a operação.”
“Teve tiro e bomba numa rua sem saída, algumas pessoas foram espancadas só depois que começaram a filmar que foram soltas.”‘
“Consegui sair porque estava passando mal, não havia nenhum serviço de saúde, só polícia.”
“primeiro falaram que seriam levados para a Prestes e foram levados p ponte do Tietê.”
‘”Uma pessoa caiu no rio, só então pararam a operação.”‘
“‘Teve spray de pimenta, bomba e tiro. Não tinha saída, quem tentava fugir era agredido com bomba e spray de pimenta”‘.
“A rua estava vazia, tudo fechado e cheio de polícia. Não deu tempo de pegar nada. Ninguém falou pra onde a gente estava indo. Me sequestraram. Fui pega num lugar e levada para outro, levada pra morrer. Tinha todo tipo de policia, civil, PM, IOPE. A polícia tava super bem vestida, eles são mal treinados, elitizados e racistas. São marionetes do diabo. Ta insuportável. Tão me abalando psicologicamente mais do que a droga. A juíza falou uma vez “quem usa droga não é criminoso, é uma doença que causa vício” e o próprio Estado não faz nada pra ajudar. Precisam tomar uma decisão de admitir que são coniventes à tortura. Eu achei que iam me matar. Me levaram pra ponte, cheio de pedra la embaixo. Eu quero trabalhar, não quero mais ficar aqui. Quero saber se é permitido por lei nos determinar onde podemos ficar.”
Os grupos e coletivos abaixo repudiam este tipo de conduta, exigem que nenhuma ação deste tipo volte a ocorrer e chamam a atenção da sociedade para as violações de direitos que estão acontecendo na Cracolândia:
1. – ABRAPSO Regional São Paulo
2. – A Craco Resiste
3. – Ação Antifascista de Londrina.
4. – AMPARAR – Associação de familiares e amigos de presos
5. – Birico Associação Cultural e Artística
6. – Bixiga sem medo
7. – Blocolândia
8. – Bloc Feminista da Marcha da Maconha
9. – Bonde do Che
10. – Centro de Convivência É de Lei
11. – Coletivo DAR
12. – Coletivo de Galochas
13. – Coletivo Doe um Ouvido
14. – Coletivo Intercambiantes Brasil, Núcleo SP.
15. – Coletivo Juntos
16. – Coletivo Pedal Verde.
17. – Coletivo Tem Sentimento
18. – Cooperativa Casa do Catador
19. – Ciclo Comitê de Luta
20. – Emancipa
21. – Feijuca de Rua
22. – Fórum Paulista de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
23. – Grupo de estudos Drogas, Práticas Corporais e Saúde Coletiva UNIFESP
24. – IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
25. – Ideologia Fatal
26. – Instituto Luz do Faroeste
27. – Instituto Social Paula Andréa
28. – LABTTS / DPCT / UNICAMP – Lab. de Tec. e Transformações Sociais / Depto. de Pol. Científica e Tecnológica
29. – Mandata Coletiva Quilombo Periférico
30. – Mandato Erika Hilton
31. – Mandato Luana Alves (PSOL)
32. – Mandato Pretas (PSOL)
33. – Mandato Sâmia Bomfim (PSOL)
34. – Mandato Vereadora Luna – SP
35. – Mangueio Filmes
36. – Marcha da Maconha Zona Sul
37. – Marcha das Mulheres Negras
38. – MNLDPSR – Mov. Nac. de Luta em Defesa da População em Situação de Rua
39. – Movimento Atreva-se
40. – Movimento Autônomo Popular (MAP).
41. – Movimento Raiz da Liberdade
42. – MSTC -Movimento Sem Teto do Centro
43. – Observatório Antiproibicionista da Fac. de Direito da USP
44. – Observatório de Aporofobia Dom Pedro Casaldáliga
45. – Pagode na Lata
46. – Paulestinos
47. – Pimp my Carroça – Cataki
48. – Projeto Caminhos de Rua
49. – Quilombo Invisível
50. – Rede de Proteção e Resistência contra genocídio
51. – REDUC
52. – Rosanegra ADF
53. – Sarau Composição Urbana
54. – Ser Humano Zona Leste
55. – Setorial Antiproibicionista do PSOL – SP.
56. – Solidariedade Vegan
57. – Somando na Quebrada
58. – Teatro de Contêiner / Cia. Mungunzá de Teatro
59. – The Haxixinas Club
60. – TTT – Teto Trampo e Tratamento
61. – União Lapa
62. – Xah com Mariaz