Acesso aos locais de higiene pelas pessoas em situação de rua

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Acesso aos locais de higiene pelas pessoas em situação de rua

O Centro de Convivência É de Lei tem sua atuação voltada para a promoção de saúde, defesa dos direitos humanos, formação e capacitação de pessoas que usam drogas, desde 1998. Neste momento de pandemia, pequenas ações já permitem minimizar danos, como lavar as mãos. A higiene pessoal tem sido uma grande estratégia de redução de danos, no entanto, nem todas as pessoas têm acesso aos meios necessários. 

A nossa parceira, Tatiana de Castro Amato, que é Psicóloga e Doutora pela UNIFESP, nos brindou com uma bela reflexão sobre o tema:

Há muito tempo a higiene pessoal não era divulgada entre população economicamente privilegiada como sinônimo de sobrevivência como tem sido divulgada nas atuais ações voltadas à prevenção da covid-19. Neste momento, para absolutamente todas as pessoas, lavar as mãos, tomar banho, manter a casa e roupas limpas é sinônimo de cuidado consigo mesmo e com toda população. Para cerca de 12 mil pessoas que vivem nas ruas do centro de São Paulo, o acesso a esse cuidado era oferecido por serviços como o ATENDE 2. Nem todos têm acesso a esse direito, que deve ser mantido (onde já existe) e ampliado para que todos possamos sobreviver.

Para a população de rua, a alimentação e a higiene pessoal são as principais formas de cuidar de si (Silva 2018). Como não possuem casa e trabalho, as maneiras para ter acesso a esses cuidados são variadas e podem aumentar sua vulnerabilidade. A dificuldade de acesso e escassez de serviço público aumenta a necessidade de pedir, produzir serviços ou relações de troca pelo alimento e higiene. Tais vias de conquistar o autocuidado estão mais difíceis agora, nesse contexto de isolamento social. A falta de acesso ao alimento e higiene geram dor, rebaixamento da estima, situações de humilhação, adoecimento, tristeza e violência. 

O acesso a água, condições sanitárias e higiene são direitos humanos universais, assegurados pelo governo brasileiro em acordos internacionais. A Agenda Global (Millennium Development Goal) tem como meta que até 2030 haja oferta de serviços que ofereçam água adequada para beber, condições sanitárias (tratamento de esgoto e banheiros) e água para lavar (com oferta de sabonete) para todas as pessoas. No entanto, ainda é necessário muito investimento para que a meta seja alcançada. Segundo a Organização Mundial de Saúde, nos países da América Latina, apenas 22% da população possuem acesso aos serviços sanitários seguros, enquanto que na América do Norte e Europa a cobertura atende a 78% da população. Se para a população geral o desafio para atingir as metas é grande, para a população que vive na rua é urgente.

Leia também: Como fazemos nosso trabalho em tempos de pandemia?

Embora sejam de 2008, cabe revisitar os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde sobre a população que vive na rua: 

“Os locais mais usados pelas pessoas em situação de rua para tomar banho são a rua (32,6%), os albergues/ abrigos (31,4%), os banheiros públicos (14,2%) e a casa de parentes ou amigos (5,2%).”

“Os locais mais usados pelas pessoas em situação de rua para fazer suas necessidades fisiológicas são a rua (32,5%), os albergues/abrigos (25,2%), os banheiros públicos (21,3%), os estabelecimentos comerciais (9,4%) e a casa de parentes ou amigos (2,7%).”

Os serviços que já atuam no cuidado a essa população são poucos e são a principal referência para ela nesse momento. Experiências brasileiras mostraram o quanto a vinculação afetiva entre usuários e as equipes de profissionais favorecem o acesso e permanência no serviço. Além disso, esses profissionais facilitam a conexão de pessoas em situação de rua com outros serviços que oferecem cobertura às suas vulnerabilidades econômicas e de saúde. O potencial dessa rede conectada é gerar oportunidades para aqueles que estão prontos para se engajarem em transformações maiores em suas vidas, beneficiando a eles mesmos e a toda população que sofre ao se deparar com condições desumanas de sobrevivência. Assim, no atual momento não é recomendada a migração de serviços e outras mudanças que possam prejudicar o engajamento da população nos serviços que oferecem higiene pessoal e outros cuidados fundamentais a dignidade humana e a saúde.

 

Bibliografia consultada:

  • FERREIRA, Cíntia Priscila da Silva; ROZENDO, Célia Alves; MELO, Givânya Bezerra de. Consultório na Rua em uma capital do Nordeste brasileiro: o olhar de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 32, n. 8,  e00070515,    2016 .   Acesso em 06 de abril 2020. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2016000805003&lng=en&nrm=iso>. 
  • Ministério da Saúde.  Campanha Políticas de Equidade para Tratar Bem de Todos: Saúde da População em Situação de Rua. Publicado em 29 de Agosto de 2017. Acesso em 06 de abril 2020. Disponível em https://www.saude.gov.br/component/content/article/869-politicas-de-equidade-em-saude/41381-em-situacao-de-rua
  • SILVA, Dejeane de Oliveira et al . Homeless people’s social representations about self-care. Rev. Bras. Enferm.,  Brasília ,  v. 73, n. 2,  e20180956,    2020 .  Acesso em 06 de abril 2020.  Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672020000200178&lng=en&nrm=iso>.
  • World Health Organization & United Nations Children’s Fund (‎‎UNICEF)‎‎. (‎2017)‎. Progress on drinking water, sanitation and hygiene: 2017 update and SDG baselines. World Health Organization. Acesso em 06 de abril 2020. Disponível em https://apps.who.int/iris/handle/10665/258617

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