A Cracolândia não acabou
A chamada Cracolândia, no centro do município de São Paulo, não é um território específico, mas sim um grupo de pessoas. E é por isso que o Centro de Convivência É de Lei atua com Redução de Danos (RD) focada na necessidade de uma política de drogas efetiva para regiões vulnerabilizadas, como o território dos Campos Elíseos, há mais de 20 anos.
A partir da nossa atuação, percebemos que as políticas públicas que chegam a essas pessoas que vivem em contexto de alta vulnerabilidade dizem respeito apenas à ação repressiva das forças de segurança pública, que matam e prendem pessoas pretas, pobres e usuárias de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas.
Ao mesmo tempo, também a partir da nossa atuação baseada em experiências efetivas nas áreas da saúde e assistência social, constatamos que as estratégias existentes para lidar com o cuidado das pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas estão longe do ideal.
A prefeitura da Capital mantém equipes no local, mas a lógica do cuidado atrelada à busca pela autonomia, que perpassa também pelas necessidades básicas de todo ser humano, como acesso à moradia, educação, cultura, direitos humanos e geração de renda, não configura uma prática efetiva do poder público, apenas residual.
É nítido que, aos olhos do Estado, a especulação imobiliária na região é mais importante do que garantir os direitos das pessoas. Em face a isso, cria-se a política do medo no território, preparada para cindir os diversos grupos de pessoas que habitam a área, tais como moradoras, pessoas em alta vulnerabilidade, transeuntes e comerciantes.
A solução mágica para resolver a questão é mostrar à população ações repressivas, com o apoio dos programas televisivos popularescos, que dia após dia investem na pauta da Guerra às Drogas, como maneira de manter a audiência de um público aterrorizado com tanta violência e que sente na pele o abandono estatal, mas não sabe identificar o causador de sua dor: o próprio Estado.
Grande parte da opinião pública, infelizmente, pelos mais diferentes motivos, entre eles a falta de senso crítico para compreender a complexa problemática do território e a influência leviana de uma parcela de líderes religiosos que vislumbram ganhos financeiros com a internação dessas pessoas em comunidades terapêuticas, não consegue compreender a lógica da Guerra às Drogas travada entre forças de segurança e o poder paralelo, que vitimiza somente aquela população vulnerabilizada.
Em maio de 2017, a sociedade civil reforçou uma batalha com o Estado no sentido de exigir uma política de drogas capaz de abarcar as necessidades integrais das pessoas vulneráveis. Dois anos depois, conseguiu trazer os órgãos de controle e os poderes Legislativo e Executivo para o debate, que culminou na publicação da Política Municipal sobre Álcool e outras Drogas.
Desde então, o controle social trava outra batalha pelo cumprimento da lei municipal por meio da participação no Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool (COMUDA), cobrando ações do órgão de governança, o Comitê Gestor da Política Municipal sobre Álcool e outras Drogas, para uma atuação na cidade de São Paulo. Incomodada com a cobrança, a gestão Ricardo Nunes (MDB) atua para enfraquecer o controle social.
Por todos esses motivos, o Centro de Convivência É de Lei faz o enfrentamento da narrativa da Guerra às Drogas, que atua pela manutenção do racismo estrutural, por meio da dor e do sofrimento das populações vulnerabilizadas que habitam os territórios desprovidos da ação estatal, mas que estão aparelhados não só pelo poder paralelo, mas também por interesses espúrios de parte do Estado.